São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 1995
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Vidas paralelas

HÉLIO SCHWARTSMAN

Na semana passada indiquei algumas obras que ajudam a entender melhor o governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje pretendo sugerir a leitura de uma biografia que pode ser extremamente elucidativa.
FHC, o filósofo-imperador, encontra um notável predecessor na figura de Marco Aurélio Antonino (121-180), o primeiro filósofo-imperador de que se tem notícia. Não, a gestão de Marco Aurélio não foi nenhuma catástrofe para Roma, muito ao contrário até.
Sua administração foi tão popular —exceto entre os cristãos, de cuja perseguição ele se encarregou pessoalmente— que após a sua morte ele acabou sendo deificado e a venda de pequenas estátuas e bustos seus fez a alegria dos escultores e comerciantes da época. Não vejo a hora de, daqui a quatro anos, poder substituir o pinguim que atualmente adorna a minha geladeira por um belo busto de bronze de FHC.
Marco Aurélio passou a maior parte de seu governo às voltas com um problema que FHC já começou a enfrentar: os ataques generalizados e por todos os flancos. E se Marco Aurélio teve de enfrentar os terríveis bárbaros da Pártia e da Germânia, FHC tem de enfrentar os não menos temíveis jornalistas, ACMs e políticos rebeldes do seu próprio partido.
Abro aqui um pequeno parêntese para sugerir a leitura de uma outra biografia que pode ser muito esclarecedora a respeito das práticas do ex-governador da Bahia. Trata-se da vida de Átila, o Huno.
A defesa do império, como se sabe, implica custos, pesados custos. Marco Aurélio quase enfrentou uma rebelião em suas legiões porque, mesmo tendo aumentado a contragosto os impostos, alegava ser impossível conceder um soldo maior. FHC, que, como ministro, também aumentou os tributos —contra sua vontade, é claro—, continua com problemas de caixa e recusa o aumento do salário mínimo.
Uma dúvida me deixa terrivelmente inquieto e preocupado. Há autores que acreditam que Marco Aurélio morreu depois de ter sido envenenado por pessoas interessadas em que seu filho, Cômodo, assumisse o império. Oxalá nada parecido ocorra a FHC. Para além da perda de um grande homem, teríamos de amargar o governo de um incômodo Marco Maciel.
Em sua obra filosófica, as "Meditações", Marco Aurélio afirma que o bem supremo que o homem pode almejar atingir é a ataraxia, a quietude d'alma. FHC, ao menos nesse seu início de gestão, parece também perseguir o ideal estóico. Apanha de seus próprios aliados e não dá o troco. A propósito, o Aurélio (não o Marco) traz dois sentidos básicos para a palavra "ataraxia". O primeiro é o de "quietude d'alma", "tranquilidade". O segundo é de "apatia", "indiferença". Resta esperar que FHC esteja concentrado apenas no primeiro sentido do termo.

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