São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Sem defesa, governo perde milhões de reais na Justiça

JOSIAS DE SOUZA; GILBERTO DIMENSTEIN

FHC diz que Estado virou 'casa da mãe Joana'; advogado aponta 'bueiro'
JOSIAS DE SOUZA
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília
GILBERTO DIMENSTEIN
Diretor da Sucursal de Brasília
O governo vem perdendo milhões de reais sistematicamente porque se defende mal ou deixa de se defender em ações que sofre na Justiça.
Em 1995, só o Ministério da Educação reservou R$ 610 milhões de seu Orçamento, equivalente a dois empréstimos de R$ 300 milhões ao México, para cobrir despesas geradas por sentenças judiciais.
Ouvido pela Folha, o presidente Fernando Henrique Cardoso, 63, se disse chocado: "O Estado brasileiro virou a casa da mãe Joana."
Não há controle sobre a quantidade de processos movidos contra a União. Estima-se no Palácio do Planalto que existam entre 500 e 600 mil ações em todo o país.
No caso do Ministério da Educação, do total a ser gasto em 1995 graças a derrotas sofridas nos tribunais, cerca de 90% decorrem de ações trabalhistas movidas por professores de universidades federais.
A maioria delas não precisaria ser paga se o governo tivesse sido defendido de forma apropriada. As ações reivindicavam supostas perdas salariais ocasionadas por três planos econômicos: Bresser (26,6%), Verão (26,5%) e Collor (84,32%).
Há sólida jurisprudência no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), negando esse tipo de pedido. O STF negou o pagamento inclusive aos seus funcionários.
O problema é que a maioria das universidades simplesmente não recorreu de decisões tomadas em instâncias judiciais inferiores ou mandou pagar antes do julgamento de recursos judiciais.
Recém-estruturada, a Advocacia Geral da União tenta reverter esse quadro. Abriu processos para apurar desvio de conduta nas universidades de Pelotas, do Espírito Santo, da Paraíba e do Pará.
Seus relatórios apontam casos em que reitores e procuradores de universidades, beneficiados diretamente com os aumentos, agiram como membros da corporação e não como defensores do erário público.
Detectaram-se outras falhas, como perda de prazos para apresentação de recurso, suposto desleixo no fornecimento de informações à Justiça e parcialidade em favor dos empregados.
O problema não se restringe às universidades. O governo vem sendo surpreendido com o desfecho de processos que vinham se arrastando há anos na Justiça. Invariavelmente derrotado, não sabe se foi convenientemente defendido.
Geraldo Quintão, advogado-geral da União desde a gestão Itamar, costuma dizer, reservadamente, que enxerga a área jurídica do governo como um armário, de onde saltam, de uma hora para outra, enormes esqueletos.
À época em que foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique dizia que iria "tapar os ralos" que sorviam os recursos do Tesouro Nacional.
Quintão amplia a imagem ao analisar as deficiências jurídicas do governo: "Encontramos nessa área não ralos, mas enormes bueiros do dinheiro público".
O último "esqueleto" que deixou o Planalto assombrado veio de Rondônia, um ex-território da União. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do hoje Estado de Rondônia ingressou na Justiça para reivindicar reajustes e promoções que datam de 1987.
A causa, que envolve 3.500 professores, foi decidida no TST (Tribunal Superior do Trabalho) em favor do sindicato. A União terá de pagar R$ 613 milhões. Somados aos R$ 610 milhões devidos pela pasta da Educação, chega-se ao valor de quatro empréstimos ao México.
Outra assombração saltou do armário imaginário de Quintão no Rio de Janeiro. Trata-se de decisão judicial que condena a União a pagar uma indenização milionária —cerca de R$ 7 milhões— a uma família carioca, representada no processo por Umbelino Couto.
Umbelino quer ser indenizado pela desapropriação de uma área de 1,06 milhão de metros quadrados, onde foi construída a pista do Aeroporto do Galeão.
A Advocacia da União questiona o valor da indenização e pede a anulação do processo, alegando não ter sido intimada pessoalmente para apresentar a defesa.

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