São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Os laboratórios de Fernando Henrique

Gilberto Dimenstein
BRASÍLIA — A Folha revelou domingo passado que crianças morriam como moscas em Teotônio Vilela, interior de Alagoas. O Palácio do Planalto anunciou ontem que o município é o primeiro a entrar no projeto "Comunidade Solidária". Anunciou também a liberação imediata de comida.
É justamente aí que o presidente Fernando Henrique Cardoso vai, ao final de seu mandato, dizer se fracassou ou não. Ele não pode mais ser conhecido como o presidente que baixou a inflação e estimulou o crescimento. Justo ou não, esse título tem dono e chama-se Itamar Franco.
Só lhe resta ser conhecido como o presidente que reduziu as desigualdades, viabilizando a democracia. As crianças de Teotônio Vilela são um microscópico detalhe desse desafio.
Não se espera que ele acabe com a pobreza. Ele pode, entretanto, estabelecer um novo tipo de ação social, capaz de servir como moldura. Daí ser decisivo que os municípios escolhidos pelo programa "Comunidade Solidária" sirvam de exemplo sobre como se reduzem desperdícios, integram-se as áreas de saúde, educação, geração de renda, habitação, saneamento básico.
O Palácio do Planalto tem condições de criar gigantescos laboratórios em todo o país, numa ação coordenada com Estados e municípios. O mundo desenvolveu tecnologia social barata. O Brasil tem expressivas invenções a mostrar.
Criou-se em Pernambuco um pó à base de sangue de boi que, comprovadamente, é um antídoto à desnutrição. A Igreja Católica ensina, com sucesso, educação alimentar às famílias pobres. Na Bahia, desenvolveu-se uma UTI infantil feita com material reciclado.
Há dezenas de projetos educacionais que mostram como tirar a criança da rua, descontaminá-la da violência, mantê-la na escola, integrá-la ao trabalho. No Rio, são dadas aulas de surf para favelados. Em Salvador, estilistas italianos ensinam costura a crianças de periferia.
Tudo isso está à disposição apenas da boa vontade dos governantes.

PS — Betinho tem razão: o melhor nome para presidir a Comunidade Solidária é de Ruth Cardoso. Não apenas pelo seu conhecimento da área e respeito das ONGs, mas porque todos sentiriam ali a mão direta do presidente —inclusive e sobretudo o governo.

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