São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Crônica da cultura assassinada

Carlos Heitor Cony
RIO DE JANEIRO — A situação do cinema nacional, antes de ser um tema estético ou técnico, quando se pode gostar ou não do produto nacional, é uma questão política. O problema tornou-se dramático a partir do não-cumprimento da antiga lei que obrigava a exibição de filmes brasileiros em determinados dias de cada ano.
Não se tratava de uma reserva de mercado. Era apenas a obrigatoriedade de, anualmente, algumas poucas semanas serem destinadas à produção nacional. Foi à custa dessa obrigatoriedade que surgiu o nosso cinema, não apenas o polêmico cinema novo, mas a embrionária indústria cinematográfica brasileira como um todo.
Não teríamos as deliciosas chanchadas da Atlântica e as badaladas experiências realizadas a partir dos anos 60. Umas e outras formam o caldo cultural, a geléia geral do nosso tempo.
O drama de quem agora faz cinema chega a ser cômico. O sujeito vende o que tem e o que não tem, empenha-se em busca de patrocínios, arma a produção, contrata o elenco, elabora o roteiro, realiza a filmagem em condições complicadíssimas, depois enfrenta a montagem, a sonorização, a mixagem, cuida da promoção e termina ficando com uma lata de goiabada, das grandes, com o negativo de um filme que, para efeito comercial, pode valer menos do que uma goiabada cascão, daquelas de Campos.
Paulo César Sarraceni, por exemplo, fez um documentário sobre Natal da Portela, personagem do folclore carioca. Ganhou prêmios no exterior, vendeu o trabalho para diversos países. No Brasil o filme não foi exibido em circuito comercial. É um entre 200, 500 outros casos. Uma das redes de distribuição alegou o argumento suspeito para não se interessar pelo filme: "Negro não gosta de negro e o herói do filme é um negro".
Curioso é que a lei da obrigatoriedade era cumprida rotineiramente antes de ser criado um ministério dedicado à cultura. Coincidência ou não, depois de montada a estrutura burocrática, em nível de ministério, a indústria cultural andou para trás. Ou, como no caso do cinema, deixou de existir.

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