São Paulo, quinta-feira, 16 de fevereiro de 1995
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Jennifer, te espero no Copacabana Palace

DAVID DREW ZINGG
NO RIO DE JANEIRO

A primeira vez que tio Dave ouviu falar no hotel Copacabana Palace foi quando era adolescente e assistiu um filme antigo em preto e branco, chamado "Flying Down to Rio". Foi o primeiro filme estrelado pela famosa dupla de dançarinos composta por Fred Astaire e Ginger Rogers. O filme era um clássico dos anos 30, exemplo de como a visão que Hollywood tinha do Brasil era completamente maluca.
É claro que "Flying Down To Rio" foi filmado num estúdio em Hollywood, com a exceção de algumas tomadas de fundo do Copa e de Ipanema. Com exceção de Astaire e Rogers, quase todo o resto do elenco era composto não de brasileiros, mas mexicanos com bigodes radicalmente mexicanos.
O filme tratava dos problemas incrivelmente complicados enfrentados por Otávio Guinle, o pioneiro que construiu o hotel (verdade). A história adquiria dramaticidade quando um concorrente mau-caráter fazia uma lei para proibir uma complicada comemoração na praia do hotel para festejar sua inauguração (mentira).
Nosso herói, Fred Astaire, salva o corajoso sr. Guinle e seu hotel recém-construído, quando faz o show do dia da inauguração com dançarinas que se apresentam nas asas de biplanos antigos, com isso conseguindo escapar da vigência da infame e injusta lei promulgada pelo vil concorrente.
É o ponto alto do filme e foi isso que fez do futuro tio Dave um escravo mental da cooperação Sambalândia/Gringolândia, vista sob o olhar de Hollywood. Aos olhos daquele fã adolescente, o Copa virou o maior hotel do mundo.
"Flying" foi lançado em 1933. Eu o assisti outra vez quando cumpria sentença na força aérea da Gringolândia, durante a 2ª Guerra Mundial. Aquele filme parecia me perseguir. Meu desejo de dormir no Copa crescia, atingindo proporções monstruosas, quando via artigos em jornais citando pessoas famosas e/ou notórias que haviam concretizado a minha ambição antes de mim: membros da realeza, das classes riquíssimas ou estrelas do rádio e do cinema.
Agora já era 1959 e vosso correspondente escrevia e tirava fotos para algumas revistas famosas, como "Look" e "Life". Nos dias de folga, o futuro tio Dave integrava a tripulação de grandes veleiros que participavam de regatas oceânicas de longa distância.
Um dia, o Grande Timoneiro do Céu olhou para baixo e sorriu um sorriso torto. Fui convidado a velejar numa corrida oceânica entre Buenos Aires e Rio.
RIO! "Flying Down to Rio!". Não —o nome tinha que mudar para "Sailing Up to Rio!". Melhor ainda —para "Sailing Up to the Copacabana Palace!". Finalmente a areia de Copacabana iria penetrar nos meus sapatos.
Não pretendo me alongar a respeito das circunstâncias que levaram nosso veleiro a chegar ao iate clube do Rio em último lugar. Digamos apenas que um mal-entendido cultural da parte do proprietário do veleiro. Quando alguns simpáticos marinheiros argentinos explicaram em detalhes a tática (correta) para se ganhar a corrida, nosso capitão gringo fez exatamente o contrário.
Após um atraso constrangedor, que incluiu alguns dias parados em frente à Ilha Grande, sem 1) vento, 2) comida ou 3) água potável, finalmente nos vimos em frente à praia de... Copacabana.
Ali, brilhando ao Sol forte da aurora carioca, estava o objeto de minha afeição, o Copacabana Palace Hotel. Graças a um par de dançarinos de cinema e a uma música cativante que dizia "ah, Rio, Rio by the sea-o", eu me encontrava a instantes de concretizar a fantasia de metade de uma vida.
Quando me instalei no Copa para enviar a Nova York uma matéria sobre a regata, eu mal sabia que a areia da praia de Copacabana iria continuar dando coceira em meus pés até que eu me mudasse para lá permanentemente, para tentar aprender a ser carioca.
Ruy Castro, o mais perceptivo escritor de revistas do país, disse uma vez que a porta giratória do Copa é uma máquina do tempo.
Minha primeira e mais duradoura impressão do Rio foi a que tive quando fui a um baile de Carnaval no Golden Room do Copa. Fui sozinho, sem falar nada de português, e saí com uma Jennifer carioca mascarada que tornou tudo facilmente compreensível.
Agora, trinta e tantos anos mais tarde, o Copa volta a reinar. Um pouquinho só cansado depois de mais de meio século de vida da alta, a rainha de Copacabana passou por uma geral de US$ 30 milhões e voltou a seu trono, melhor do que quando Otávio e Mariazinha Guinle primeiro a conceberam.
Tio Dave compartilha com o Copa mais do que meros sonhos. Sua ligação com o Copa vai mais fundo do que um filminho bobo de Hollywood. Existe um vínculo mais profundo e misterioso. Foi só há pouco tempo que tio Dave descobriu que ele e o Copa nasceram no mesmo ano —1923.
Agora, se alguém tiver US$ 30 milhões que gostaria de me emprestar para investir numa geral para tio Dave, eu poderia pensar em ir ao tradicional baile de Carnaval do novo Copa, neste fim de semana. Aposto que minha amiga Jennifer vai estar lá também.

Tradução de Clara Allain

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