São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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FHC ameaça ir à TV contra Congresso

WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 63, enviou ontem o primeiro lote de propostas para promover mudanças na Constituição, referentes à Ordem Econômica. Em entrevista, disse contar com o apoio dos partidos que compõem sua base parlamentar no Congresso.
Mas, contraditoriamente, lembrou aos parlamentares que, ao elegerem-no presidente, os eleitores aprovaram também as suas propostas. E ameaçou ir à TV para explicar as reformas se necessário.
"Eu estou apenas dando continuidade àquilo que me foi delegado pelo povo brasileiro, ao votar em mim. Votou sabendo que nós íamos fazer mudanças, votou porque quer mudanças e porque está confiante de que elas são para melhorar o país", disse FHC durante sua primeira entrevista coletiva depois da posse.
FHC disse, no entanto, que todos os sinais que teve do Congresso indicam que as lideranças e os partidos "entenderam a situação". O presidente usou essa explicação para dizer que não acredita que deputados e senadores derrubem o veto presidencial ao salário mínimo de R$ 100.
Fernando Henrique falou por 35 minutos para explicar as primeiras propostas de reformas que foram enviadas à tarde ao Congresso. Depois, em uma hora e 11 minutos, respondeu a 20 perguntas de jornalistas previamente sorteados.
FHC manteve-se calmo durante quase toda a entrevista, chegando até mesmo a fazer piadinhas, como a de que chamaria Lula para ser seu assessor porque ele sugeriu que houvesse reação do governo às críticas recebidas pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA).
O presidente só perdeu a calma na última pergunta, feita pela Folha. FHC chamou de "demagógica" a questão do que faria se, como cidadão, recebesse um salário mínimo de R$ 70. Respondeu que "não sobreviveria" (leia abaixo reportagem sobre a reação do presidente a essa pergunta).
Leia a seguir os principais pontos do discurso e entrevista de FHC, feitos no auditório do Palácio do Planalto.

AS REFORMAS
FHC disse que a sociedade quer as reformas. "Essas reformas são exigência do país. Aí estão as pesquisas de opinião pública a dizer." Disse que é necessário mudar a idéia de Estado. "Não se trata de ao invés de", mas "de ao lado do" Estado.

BICHO-PAPÃO
O presidente disse que está "fora de foco" os que pretendem se defender das reformas. "Só os que têm privilégio é que querem se defender das reformas", afirmou.
FHC disse que essas minorias "vêm com a etiqueta do povo, que é a melhor maneira de manter privilégio". Disse não temer as pressões contrárias. "Chegou a hora de enfrentar com muita clareza, com muita convicção os interesses que vão se organizar, os lobbies pagos pelo serviço público. Esse bicho-papão não mete medo a adulto. Alguns sim, têm medo, mas eu não tenho."

SUICÍDIO PREVIDENCIÁRIO
As reformas previdenciárias, a serem remetidas na próxima semana ao Congresso, serão, segundo ele, a garantia de uma aposentadoria digna às gerações futuras.
Disse que as alterações não "renderão um tostão" para a atual gestão. Sem as reformas, disse o presidente, a Previdência será inviabilizada. "Se o país prefere realmente um suicídio lento, o presidente lamenta, mas obedece à vontade da maioria".

DIREITOS SAGRADOS
FHC disse que vê com pena as pessoas que apressam seus pedidos de aposentadoria, "como se fosse acabar o mundo". Segundo ele, não há motivos para isso, já que o governo pretende respeitar os chamados direitos adquiridos.
"O governo não quer tirar nada, quer dar mais às gerações futuras também, não só às atuais". Disse que, no serviço público, as distorções atuais fazem com que, ao se aposentar, a pessoa ganhe mais do que quando trabalhava. "Para que então trabalhar?", indagou, classificando de ilógica essa situação.

MONOPÓLIOS
FHC afirmou que está "levando ao limite" o que chamou de flexibilização de monopólios. Suas emendas não seriam "tímidas".
Elas "têm a audácia que o momento requer". Disse que a Petrobrás sabe que é tão forte que não tem o que temer. Respondeu a uma pergunta sobre as queixas de empresários brasileiros e estrangeiros quanto à decisão de não privatizar por completo setores como o de petróleo e de telecomunicações: "Eu tenho que cuidar do interesse nacional. Eles cuidam dos deles". Disse que não pode "dar o filé mignon" para o setor privado e "deixar ao Estado apenas os ossos".

NOVAS REFORMAS
Fernando Henrique explicou o fato de ter se limitado a enviar ontem ao Congresso as reformas referentes ao capítulo econômico da Constituição, adiando as demais.
Disse que seguirão em breve reformas da Previdência, do sistema tributário, financeiro e administrativo. Quanto às mudanças na área eleitoral, serão de iniciativa do Congresso. Disse que não fará as reformas selvagemente. "O apressado como cru, é preciso fazer com propriedade." Não ambiciona reformar toda a Constituição. "Quem quer reformar tudo não reforma nada".

DEMAGOGIA
O presidente afirmou que sua mão jamais assinará uma medida que possa ser aplaudida mas que seja demagógica. "Nunca tive receio da impopularidade momentânea, porque eu não sou demagogo." Ao referir-se ao veto ao aumento do mínimo de R$ 70 para R$ 100, afirmou: "Vetar bobagem, vetarei sempre".

LEIA MAIS
As íntegras do pronunciamento e entrevista de FHC às págs. 1-10, 1-11 e 1-12

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