São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Téchiné faz poesia da idade da incerteza

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Filme: Rosas Selvagens
Produção: França, 1994
Direção: André Téchiné
Elenco: Élodie Bouchez, Gaël Morel, Stéphane Rideau, Frédéric Gorny
Onde: Arouche A, Belas Artes sala Oscar Niemeyer e Paulista 4
"Rosas Selvagens", dirigido por André Téchiné, é um daqueles filmes de iniciação dos quais o cinema francês é pródigo. A adolescência, a crise que inevitavelmente a acompanha e o complementar fim da inocência, são focalizados sob uma luz intensamente poética.
O projeto de "Rosas Selvagens" nasceu de um convite feito por um canal de TV francês para que cineastas desenvolvessem narrativas inspiradas em experiências significativas da juventude de cada um deles (leia texto abaixo).
Fiel ao projeto, Téchiné recuperou um episódio de sua adolescência. Sua experiência se transfere aqui para François, garoto intelectualizado que estuda num internato onde começa a se aproximar de Serge, rapaz italiano de origem camponesa e pouco letrado.
François escreve redações cujo estilo e tema são considerados pela professora, Madame Alvarez, como "presunçosos". Esta sequência do filme sinaliza um mea-culpa da parte de Téchiné. Sua obra, afetadamente romanesca e cheia de tiques brechtianos até então, recebia a aprovação apenas da idiossincrática crítica francesa.
Mas em "Rosas Selvagens" o diretor foi se inspirar na fonte saudável dos filmes ao ar livre que a Nouvelle Vague consolidou no cinema francês, o que lhe valeu uma proveitosa renovação de estilo.
Maïté (a meiga Élodie Bouchez), filha da professora, acompanha os deslocamentos do desejo de François com angústia disfarçada. Ela parece quase amar o amigo, mas simultaneamente resiste a qualquer tipo de paixão impulsiva.
Seduzido pela beleza selvagem de Serge, François se entrega a ele numa cena de um intimismo quase sufocante, mas a chegada de Henri, um rapaz mais velho, politizado e arrogante vem abalar a frágil ordem dos afetos.
Acuado pela sedução que Serge e Henri exercem sobre ele e questionado por Ma‹té, François acaba desembarcando no terreno movediço da dúvida. Masculinidade, racionalidade, certezas antes estabelecidas, vão aos poucos se dissolvendo.
A poesia que brota de cada imagem de "Rosas Selvagens" deriva da acuidade do olhar de Téchiné, que contempla com carinho a dúvida que invade seus personagens num momento da vida em que tudo parece estar à beira de se transformar em destino.
Esta pintura dos sentimentos cujo termo é a perda da inocência se completa com um mergulho na natureza. Ali, Ma‹té vai descobrir o prazer e François viverá um momento fugaz de felicidade junto a Serge.
Em um giro duplo de 360 graus a câmera apreende primeiro o ambiente idílico onde a ordem ainda impera. Depois, vemos os personagens caminharem de volta para a cultura, libertos, mesmo que momentaneamente, da angústia de ter que viver de certezas.

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