São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Filme revive a mística de John Coltrane

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os fãs do jazz e da música contemporânea têm um programa imperdível na TV. A Cultura exibe amanhã documentário sobre o saxofonista norte-americano John Coltrane (1926-1967), um dos músicos mais carismáticos deste século.
Não é à toa que os fiéis de uma igreja ortodoxa africana, em San Francisco, nos EUA, cultuam Coltrane como santo. Maluquices de seita à parte, raros músicos conseguiram transmitir um sentido espiritual tão intenso e sincero como esse mestre do jazz.
Essa foi a causa de uma tempestuosa relação entre ele e Miles Davis. Irritado por vê-lo drogado, quase dormindo no palco, o trompetista (na época tentando se manter fora do vício) demitiu Coltrane de seu quinteto —depois de esmurrá-lo, sem qualquer reação.
Esse lado mais frágil e humano de Coltrane é praticamente escondido no filme. Os autores preferem focalizar somente os aspectos musicais e espirituais de sua obra. Estão interessados, antes de tudo, em consagrar um herói.
Tudo a ver com o depoimento de Roscoe Mitchell, saxofonista e coltraneano declarado, que diz: "Sua música era meditativa, parecia nos absorver. E, uma vez absorvidos, nos sentíamos sendo elevados junto com ele."
Ou, como o baterista Rashied Ali, que esboça o perfil de um super-homem: "Ele não parava de tocar. No camarim, parecia um lutador de boxe se aquecendo antes de entrar no ringue (...) Era implacável. Estava sempre estudando a música, tentando tirar o máximo que conseguisse dela."
Misturando depoimentos de músicos, trechos de velhos filmes e sequências de fotos, o resultado desse documentário nem sempre é bem-alinhavado. Em alguns momentos, fica a impressão de que não havia material suficiente.
Na verdade, a grande atração está nos registros raros, ou mesmo inéditos, do fantástico John Coltrane Quartet, que durante o período 1961-1965 destacava também o piano de McCoy Tyner e a bateria de Elvin Jones.
Através desses trechos de programas de TV e filmagens de festivais ao ar livre é possível sentir mais claramente toda a atração que as performances frenéticas de Coltrane exerciam sobre as platéias daquela época.
Especialmente reveladoras são duas versões de "My Favorite Things" —primeiro sucesso de público do quarteto. Elas indicam, de modo quase didático, a transição de um jazz baseado em escala modais para as transgressões sonoras do chamado "free jazz".
Quem conhece a vida de John Coltrane sabe que ele não foi nenhum super-herói ou santo. Mas ouvir "Naima" ou "A Love Supreme" ainda deixa a sensação de que ele tocava para os deuses.

Título: O Mundo de John Coltrane
Elenco: Wayne Shorter, Jimmy Heath, Rashied Ali, Roscoe Mitchel, Tommy Flanagan, Alice Coltrane, La Monte Young e outros
Produção: EUA/Japão, 1990
Onde: Cultura
Quando: amanhã, às 23h50

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