São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 1995
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Rumo à consolidação do relacionamento Brasil-Argentina

ALIETO ALDO GUADAGNI

A reunião dos presidentes do Brasil e da Argentina em Iguaçu é um fato histórico. Não é uma prática usual que os chefes de Estado deliberem em sessões de trabalho acompanhados por ministros de pastas que cobrem múltiplos aspectos do relacionamento entre duas nações. É uma mostra a mais da firme vontade política de aprofundar os vínculos bilaterais e manter alta a credibilidade dos compromissos assumidos.
É justamente o valor dessa "credibilidade" que hoje converte o Mercosul não somente em um sócio confiável para outros países ou blocos de integração como a União Européia e o Nafta, como um espaço geográfico atrativo para grandes investimentos de capital. Sinalizamos à aptidão de atrair investimentos, hoje crucial tendo em conta que os recursos de capital não se caracterizam por sua abundância no futuro.
Há mais de 50 anos, em plena 2ª Guerra Mundial, por iniciativa argentina, realizou-se uma reunião dos países da Bacia do Prata para considerar a formação de uma união aduaneira; a reunião teve lugar durante o mês de fevereiro de 1941, na fronteira brasileira-uruguaia na cidade de Rivera. Nove meses depois se encontraram em Buenos Aires os chanceleres Enrique Ruiz Guiñazú e Osvaldo Aranha, que acordaram adotar um regime de livre comércio que "permite chegar à unificação aduaneira"; a qual estaria aberta ao Chile e outros países limítrofes do Cone Sul. Como se vê, estamos hoje conformando uma união aduaneira no Mercosul 54 anos depois do inicialmente acordado pelos chanceleres da Argentina e do Brasil em novembro de 1941.
O que passou com o acordo Gui¤azú-Aranha? De fato, o acordo não prosperou, devido a profundas divergências existentes com respeito ao posicionamento de cada nação frente à 2ª Guerra Mundial, divergências que se fizeram notórias poucas semanas depois do acordo de Buenos Aires. A Argentina manteve sua posição neutralista, enquanto que o Brasil se aliou firmemente com os países aliados, tanto é que enviou um corpo expedicionário a combater na Europa.
Essa divergência crucial entre ambas políticas exteriores atuou como um elemento de dissociação entre Argentina e Brasil nos anos seguintes. É assim como ambos países também divergem fortemente rumo a 1947/48 na Conferência de Havana que deu origem ao Gatt.
Nessa reunião, o Brasil acompanhou aos EUA na sua concepção multilateralista e oposta a acordos de áreas exclusivas de comércio e a criação de novas "preferências", posição esta mantida pela Argentina para ampliar o comércio latino-americano e também neutralizar as preferências imperiais do Commonwealth.
No início da década de 50, o presidente Perón busca uma aproximação com os presidentes Vargas e Ibáñez, do Chile, pretendendo configurar um novo ABC (Argentina, Brasil e Chile), porém, desta vez enfatizando à integração econômica. A iniciativa não prosperou, e Brasil e Argentina continuaram assim por muitos anos afastados um do outro, no momento em que a Europa avançava firmemente desde o final dos anos 40 rumo à sua integração que culmina com o Tratado de Roma (1957), que criou o Mercado Comum Europeu. França e Alemanha, que tinham combatido em três grandes guerras, em um lapso de apenas 70 anos lideravam esse processo de cooperação, iniciado uns poucos anos depois que as tropas alemãs abandonaram a ocupação de grande parte do território francês.
Visto em perspectiva, é claro que Argentina e Brasil deviam previamente superar suas velhas hipóteses de conflito para poder encarar um processo de franca cooperação econômica. Para isso foi indispensável superar duas graves questões que perturbavam o relacionamento bilateral nas décadas de 70 e 80: a questão do uso das águas e o tema nuclear.
Durante o período militar vigente em ambos países, se consegue fundamentar as bases para solucionar a questão hídrica, no fim da década de 70. Porém foi necessário esperar a instauração da democracia para avançar franca e decididamente na criação de um clima de confiança em matéria nuclear e potenciar a cooperação econômica.
Os marcos históricos, da segunda parte da década de 80, desse novo relacionamento bilateral são a Declaração de Iguaçu (1985), a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear (1985) e o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (1988), impulsados pelos presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney. O posterior afiançamento democrático em ambos países está intimamente relacionado com o aprofundamento e aceleração da integração bilateral.
Nesse sentido, os presidentes Carlos Menem e Fernando Collor decidem, pela Ata de Buenos Aires (1990), adiantar a liberalização plena do comércio para dezembro de 1994, o qual significou reduzir a menos da metade os prazos mais prolongados acordados anteriormente pelo tratado de 1988.
A história recente está marcada pela rápida consolidação e ampliação do relacionamento bilateral. Em março de 1991 se subscreve o Tratado de Assunção, que incorpora ao Uruguai e Paraguai, nascendo assim o Mercosul. Pelo Protocolo de Ouro Preto (1994), o Mercosul tem agora personalidade jurídica própria por sua natureza de União Aduaneira e se presta para encarar novas negociações estendendo os benefícios de cooperação econômica e a liberalização comercial.
A agenda para 1995 é complexa, porém, promissora: União Européia, Nafta, Chile, Bolívia e países da Aladi servirão para a projeção desse promissor espaço sul-americano que nasceu graças ao novo relacionamento entre o Brasil e a Argentina, que finalmente foi capaz de substituir a antiga lógica da confrontação potencial, que cristalizava as paralisantes hipóteses de conflito, pela política de cooperação. É provável que tenhamos começado tarde, porém, a verdade é que avançamos rápido.
O avanço, além de rápido, foi muito oportuno, porque permite a ambos países e seus sócios afrontarem, agora em melhores condições, a luta competitiva que existe em escala mundial por atrair recursos de capital que, mesmo essenciais para o crescimento econômico, não abundarão no cenário internacional.

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