São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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João Cabral fez primeiro abstrato do Brasil

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

Nem só de poesia vive a obra do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto. Em 1940, quando tinha 22 anos, ele pintou pelo menos dois quadros, em óleo sobre tela, e os deu de presente ao primo Fernando Cabral de Melo, hoje com 78 anos.
Os quadros —ambos sem título e de pequenas dimensões— passaram mais de 50 anos no anonimato. Há oito meses, ao fazer uma arrumação dos livros, o primo do poeta surpreendeu-se ao encontrar as duas pinturas.
"Eu já nem lembrava mais delas", disse Fernando Cabral ontem, em Recife, onde mora.
Os dois quadros foram examinados pelo restaurador e professor universitário Luiz Pessoa, 44, que garantiu sua autenticidade.
Segundo Pessoa, um dos quadros (que mostra um rosto feminino de frente e de perfil, numa tela de 16,5 cm x 23,5 cm) é da escola figurativa-metafísica, em voga na Itália no início dos anos 40.
O outro (medindo 15 cm x 20,5 cm), ainda segundo o professor, é da escola abstrata —e este, de acordo com Pessoa, é o mais importante.
"Ele altera a história da arte brasileira. Fica comprovado que João Cabral de Melo Neto foi o primeiro pintor abstrato do Brasil, e não Cícero Dias, como até então se pensava", disse Pessoa.
Cícero Dias, também pernambucano, hoje vivendo em Paris, pintou o primeiro mural abstrato em 1948. "Ou seja, oito anos depois do quadro de João Cabral", diz Pessoa.
Pessoa afirma que, além dos dois quadros ofertados ao primo, João Cabral "com certeza" pintou outros. "Ninguém pinta apenas dois quadros. Os outros vão aparecer mais cedo ou mais tarde."
A irmã mais nova do poeta, Maria de Lourdes, lembra que entre 1939 e 1940 ele pintava com frequência. O trabalho era feito em cima de uma mesa, e não com cavaletes, segundo ela.
Os dois quadros pintados em 1940 valem hoje, cada um deles, na avaliação do professor Luiz Pessoa, R$ 50 mil.
"Esse valor vem da raridade deles, da importância de João Cabral e da qualidade estética", afirma.
Um dos quadros (o do rosto feminino) está na sala de visitas de Fernando Cabral de Melo. O outro (da escola abstrata) está na casa do filho dele, Fábio Cabral.
Fernando Cabral diz que não está pensando em vendê-los. "Mas se aparecer algum comprador com uma boa proposta, a gente pode conversar", afirma.
O poeta João Cabral de Melo Neto, autor de "Morte e Vida Severina", seu trabalho mais conhecido, mora no Rio de Janeiro. Seus parentes dizem que ele está muito doente e não tem condições de dar entrevistas.

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