São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Imunodeficiência

São comuns as metáforas médicas para falar de economia. Hoje a imagem mais forte é a de contaminação. Mas até poucos dias atrás imaginava-se o grupo de risco restrito ao sul do Rio Grande.
A última surpresa vem sob a forma de sintomas de contaminação mais ao norte. Em alguma medida como resultado das injunções da atual crise mexicana, o dólar entrou em mergulho livre nos mercados cambiais europeu e japonês.
Há na prática pelo menos três fatores determinantes da atual fragilidade do dólar. O empenho do governo Clinton em socorrer as vítimas do terremoto financeiro mexicano é um deles. O pacote de ajuda de cerca de US$ 50 bilhões, em grande medida amparado em recursos do Tesouro dos EUA, levantou nos ânimos dos mercados cambiais globalizados uma crise de confiança na disposição do governo Clinton de defender o dólar.
US$ 50 bilhões são menos que uma gota nos circuitos financeiros internacionais. Mas o fato subjetivo, que no caso pesa mais, é a perda de confiança no equilíbrio de um sistema, o Nafta, que até poucos meses atrás era tido como importante fronteira da hegemonia norte-americana. E ninguém sabe se os US$ 50 bilhões serão suficientes.
Mas há outros fatores que empurram o dólar para baixo. Destaca-se a divulgação de indicadores de vendas, da construção e do nível de atividades que sugerem o início de um desaquecimento da economia norte-americana. O impacto dessas notícias é imediato: percebem-se como improváveis novas elevações dos juros nos EUA. E, como a expectativa de juros crescentes é um dos elementos de atração de capitais, investidores tendem a se desfazer de aplicações em dólar. A corrida para vender deprime o valor dessa moeda.
Finalmente, mas não menos importante, veio a notícia de que os Estados Unidos incorreram em 1994 num déficit comercial de US$ 166,3 bilhões, o maior da história. O desequilíbrio comercial também ajuda a enfraquecer a moeda.
Há portanto motivos de sobra para explicar o enfraquecimento da moeda mais importante do mundo. Ela parece acometida de uma espécie econômica de síndrome de imunodeficiência. Mas é difícil, senão impossível, saber se a síndrome foi adquirida ou se implicará, nas próximas semanas, formas ainda mais perversas de contaminação dos mercados mundiais.

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