São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Depoimentos detalham suposta tortura

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

A leitura dos depoimentos de moradores dos morros do Borel e Bananal (Tijuca, zona norte do Rio) revela detalhes das torturas que eles alegam ter sofrido durante a ocupação da área pelo Exército, em novembro do ano passado.
Apesar das descrições das supostas vítimas, o responsável pelo IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado pelo Exército para apurar os maus tratos, coronel Moacyr Gonçalves Meirelles, classificou os relatos de vagos, imprecisos, emocionados e contraditórios. O coronel Meirelles concluiu que as denúncias não eram procedentes.
Laudos de exames de corpo delito comprovaram que pelo menos quatro moradores sofreram agressões por "ação contundente".
Em um dos laudos, peritos do Hospital Central do Exército —dois deles oficiais-médicos— responderam "sim" ao quesito que pergunta se as lesões ao soldado Cláudio Rodrigues Pereira foram causadas por "tortura ou por outro meio insidioso ou cruel".
No relatório, o coronel Meirelles não faz referência ao resultado do exame de corpo delito no soldado. Nos seus depoimentos, Pereira, que mora no morro do Bananal e não participou da Operação Rio, afirmou ter levado socos e tapas de diversos soldados.
O vendedor de flores Francisco José Reis de Oliveira, 25, disse que na noite de 27 de novembro foi levado à escola que funciona no alto do morro Chácara do Céu.
Lá, os soldados, enquanto perguntavam sobre o tráfico de drogas no morro, amarraram suas mãos e pés. "Me deram socos e rasteiras e num destes tombos eu abri o queixo, sujando minha camisa de sangue", disse no IPM.
Em outro trecho do relato classificado de "impreciso", Oliveira disse: "Fui mergulhado de cabeça para baixo num tanque de lavar roupa". No depoimento à polícia, Oliveira afirmou que foi mergulhado no tanque outras vezes.
Segundo ele, após ter sido espancado e mergulhado no tanque por cerca de duas horas, os soldados —que usavam capuzes— passaram a aplicar choques elétricos em várias partes de seu corpo.
Peritos do Instituto Médico Legal encontraram várias marcas no corpo de Oliveira —inclusive nos pulsos e tornozelos, partes que, segundo ele, foram amarradas.
O ajudante de marceneiro Alex Sandro Corrêa de Azevedo, 18, disse que, no dia 25 de novembro, foi levado para a igreja de São Sebastião, no alto do morro. "Ali mesmo começaram a me bater com socos nas costelas", contou.
Declarou que foi colocado ao lado de outros suspeitos. "Enquanto aguardávamos, batiam na nossa cara, costelas e coxas." Para o coronel, Azevedo "também menciona de forma vaga os maus-tratos".
Em depoimento à Polícia Civil, anexado ao IPM, o estudante Carlos Eduardo da Silva, 18, diz ter levado chutes e socos no tórax e no resto do corpo, "culminando com uma paulada no pescoço".
Ele afirmou ter visto outro morador, Ivanildo Batista de Carvalho, sendo colocado, de cabeça para baixo, em uma caixa d'água.
Sobre os depoimentos do estudante, escreveu o coronel Meirelles: "descreve as condutas de maneira vaga e imprecisa, inclusive não presenciou aplicação de choques elétricos e afogamentos".
Todos os supostos torturados foram liberados após interrogatórios. Não foi provada nenhuma ligação entre eles e o tráfico de drogas.

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