São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Executivo criou mais leis que o Legislativo entre 88 e 94

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Congresso, cuja função é legislar, tem feito poucas leis. O Executivo, que deveria executar essas leis, tem legislado demais.
O Congresso tem 30 dias para apreciar a medida provisória e convertê-la em lei ou rejeitá-la. Caso os parlamentares não se manifestem, a Constituição diz que a medida perde a eficácia desde a sua edição, devendo o Congresso disciplinar as relações jurídicas nascidas sob a sua vigência.
Nem uma nem outra determinação têm sido observadas. Inventou-se uma forma de driblar o problema: findo o prazo de 30 dias sem manifestação dos parlamentares, o Executivo reedita a medida. E reedita-a sem limites.
Hoje, cerca de 50 medidas provisórias sobrevivem pela reedição mensal, dentre elas a que instituiu o Plano Real. Isso sem que a Constituição autorize a reedição ou a prorrogação do prazo de vigência das medidas.
Para Celso Bastos, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC), a reedição sucumbe diante de argumentos técnico-jurídicos. Porém, a implantação de planos econômicos por medida provisória fez com que ninguém questionasse diretamente a constitucionalidade da reedição.
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado, mas sempre em situações já consumadas, e acabou permitindo a reedição. Ele impediu apenas que alguns assuntos fossem tratados por MPs, como a tipificação de crimes.
"Hoje há um excesso de medidas. O Executivo invade a esfera de competência do Legislativo de uma forma inadmissível num regime democrático. Mas o fato é que com a pouca atividade legislativa do Congresso, sem as MPs estaríamos à beira do caos por ausência de normatividade", afirma Bastos.
O desembargador Antonio Cesar Peluso concorda. Para ele, o uso excessivo de medidas provisórias e a reedição são uma necessidade que decorre da morosidade do Congresso. "São consequências da própria sistemática de legislar, que deve ser reelaborada na revisão constitucional", afirma.
A juíza Lúcia Figueiredo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (que jurisdiciona São Paulo e Mato Grosso do Sul), entende que medida provisória só poderia ser baixada em condições especialíssimas, além de considerar inconstitucional a sua reedição.
"Mas o Supremo aceitou a reedição e cabe a ele, em última instância, definir o Direito. De qualquer maneira, as condições colaboraram para que acontecesse dessa forma. O Legislativo não legisla e o Executivo para preencher essa lacuna acabou se excedendo", diz.
Pesquisa da cientista política Argelina Cheibub Figueiredo constatou que depois da promulgação da Constituição até o ano passado foram sancionadas 1.127 leis, das quais 81% foram de iniciativa do Executivo. Apenas 11% tiveram origem no Congresso.
O estudo conclui que o sistema de funcionamento do Congresso dificulta a sua ação. Celso Bastos concorda. "Os projetos só tramitam quando há acordos de lideranças ou quando há grandes pressões para que sejam votados. Um deputado sozinho não consegue fazer andar um projeto", diz Bastos.

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