São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Não estamos mal no "ranking" das transições

ANTONIO KANDIR

Não faz muito tempo, era comum classificar-se o Brasil como um país "em atraso", na comparação com outros países que enfrentaram transições econômicas e políticas de grande envergadura, na América Latina e no Leste Europeu, nos últimos dez anos.
A recente crise mexicana e as dificuldades por que vem passando a Argentina, em contraste com a melhor situação atual e melhores perspectivas futuras ostentadas pelo Brasil, indicam quão apressada e míope era a "classificação".
Mas não é só em relação a esses países que nossas perspectivas parecem melhores. O mesmo acontece em relação a países do Leste Europeu, como Polônia e Hungria.
Ambos, embora em doses distintas, se vêem a braços com problemas políticos e econômicos de monta em seus processos de transição, que por aqui ou inexistem ou são menos graves ou têm sido enfrentados com maior sucesso.
Na Polônia, são maiores os problemas no campo político do que no econômico. Na Hungria, de certa forma se dá o inverso, embora não faltem problemas políticos.
A Polônia foi o primeiro país da região a emergir do processo recessivo, em 1992. Os ganhos de produtividade na indústria têm sido expressivos, suficientes para absorver, sem impacto nos preços, aumentos reais de salário.
O setor externo, liderado pelas exportações de manufatura, tem dado sinais de dinamismo (em 1994, as exportações cresceram 25%). Na raiz do comportamento desses indicadores está a transformação estrutural da economia polonesa, onde o setor privado já é responsável por 50% do PIB e 60% dos empregos.
Em que pesem esses dados positivos, não se deve perder de vista que a inflação continua a ser um problema, embora tenha caído das alturas, onde estava no início da década, para 32% anuais em 1994.
Trata-se, no entanto, de taxa ainda elevada, que não garante a estabilização da economia polonesa, tanto mais em razão da presença de déficit público alto, que não poderá ser reduzido facilmente, visto ser necessário minorar o custo social das taxas de desemprego.
É no campo político, entretanto, que são mais complicados os problemas na Polônia. Desde a posse de Lech Walesa na Presidência da República, em dezembro de 1990, a política polonesa tem-se caracterizado por grande instabilidade nas relações entre o Executivo e o Legislativo.
Esta instabilidade tem sido, no mais das vezes, provocada pelo próprio Walesa que, com inclinações autoritárias, não perde oportunidade para solapar o governo do primeiro-ministro de turno (já foram cinco em quatro anos).
As tensões tornaram-se mais agudas a partir do momento em que os socialistas (ex-comunistas), numa aliança mal-ajambrada com o partido camponês, conquistaram a maioria no Parlamento.
Na Hungria, as tensões políticas são menores, mas também importantes. Os ex-comunistas voltaram ao topo do poder político, vencendo por larga margem as eleições de abril de 1994.
A aliança de governo que formaram com os liberais, minoritários no Parlamento e no Gabinete, chegou ao ponto máximo de tensão interna em janeiro passado, quando foi demitido Ferenc Bartha, o homem encarregado do programa de privatizações, programa cujo futuro agora é incerto.
Como incerta também é a capacidade de crescimento sustentado da economia húngara, que nos últimos cinco anos acumulou um declínio de 22% do PIB.
A esse quadro deve-se somar ainda tensões étnicas derivadas da presença de grupo expressivo de ciganos, mal-assimilados à sociedade húngara, da imigração crescente de vietnamitas e chineses e do problema das minorias húngaras em países vizinhos.
Enfim, sem querer minimizar nossas dificuldades, convém perceber que, comparativamente, temos conseguido consolidar alicerces mais sólidos em nosso complicado processo de transição.

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