São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Romário já sente a dúvida, letal aos deuses

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Os gregos eram mesmo safos. E, talvez por isso, cruéis. Coroavam seus heróis —os campeões dos Jogos—, depositavam a seus pés todas as glórias mundanas e elevavam-nos ao Olimpo, para que se sentissem deuses. Deuses são infalíveis, embora os da velha Grécia nem tanto. Mas os humanos, ah, não resta a menor dúvida, como diria Aracy de Almeida.
Nada mais letal do que a dúvida sobre a própria infalibilidade para quem está lá em cima. Ninguém é capaz de prever qual o passo que inicia a descida ou quantos ainda faltam para chegar ao cume. À primeira falha, nasce a suspeita. Esse é o primeiro passo para baixo.
Faço tão banais reflexões a propósito do que julgo ter captado, num átimo, pelas câmeras da TV que transmitia no meio da semana o jogo entre Flamengo e Americano de Campos, quando Romário, afinal, marcou seu primeiro gol com a camisa rubro-negra. Antes do pênalti inexistente e da cobrança do artilheiro, Romário foi servido de bandeja por Mazinho, na área. Chutou, tenso, pra gol. A bola rebateu num beque e Romário ajeitou para novo disparo que, outra vez, ricocheteou na perna de um adversário e foi para córner. Romário, então, olhou para os céus e, em seguida, benzeu-se.
Este simples gesto, trivial em qualquer jogador, deu-me a sensação de que nosso goleador começa a flertar com a dúvida, veneno letal para um herói dos jogos. O fato é que a glória de Romário deve-se, mais do que à sua técnica ou ao seu refinado faro do gol, à sua evidente convicção na infalibilidade de seus gestos.
Prestem atenção em Romário em campo. É exatamente sob severa vigilância, na área de decisão, que ele mais se revela calmo, seguro, pretensioso até, irreverente na maioria das vezes. Este é o seu segredo: a absoluta certeza de que, ali, ele é rei, intocável, e que o gol é o destino da bola que se submete a seus pés. Se essa crença for abalada, que restará de Romário e seus castelos de areia?
Vão-se estatelar aqui embaixo. E a multidão passará ao largo, impassível.

O Palmeiras pega hoje o Santos numa situação delicada. Sem Edmundo, sua mais fulgente estrela, e com uma evidente fissura no chamado grupo de jogadores, depois da insurreição de Amaral e da reação de Antônio Carlos. Além do mais, o time vem desgastado do jogo contra o ABC, pela Copa Brasil, na sexta-feira.
Por fim, enfrenta uma equipe que joga uma bola redondinha, sobretudo do meio-campo para frente. Esse Giovanni, número 10, é um armador de se ver em ação com prazer. Elegante nos gestos, inteligente na orientação do caminho que a bola deve tomar, é também atrevido o bastante para tentar jogadas pessoais.
Resumindo: Espinosa, espinhosa missão.

Não convidem Juarez Soares para tomar chope com Ricardo Teixeira. Êta chopinho amargo, hein?

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