São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Britânicos temem união monetária européia

ANTONIO CARLOS SEIDL
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

O Reino Unido teme que a União Monetária Européia, com a introdução de uma moeda única em 1997, crie uma entidade protecionista dentro dos limites da "fortaleza Europa".
O governo britânico é contra qualquer iniciativa da Comissão Européia que coloque obstáculos no caminho do ideal do comércio livre entre países soberanos.
Essas são palavras de Michael Portillo, 42, ministro do governo conservador britânico, onde ocupa a pasta do Trabalho, explicando a posição de seu país na questão da integração européia.
O objetivo da moeda única na Europa foi estabelecido pelo Tratado de Maastricht em 1991. A data proposta foi o ano de 1999.
Mas agora a CE, órgão executivo do mercado comum europeu, quer antecipá-la para 1997.
Portilllo diz que o governo britânico não consegue imaginar que a Europa esteja pronta para a moeda única dentro de dois anos, porque há disparidades entre as a situação econômica dos países integrantes da Comunidade Européia.
Para o governo britânico, a antecipação é uma decisão meramente política, que, diz Portillo, tem implicações constitucionais entre as quais a perda da soberania monetária do país.
Filho de um imigrante espanhol e mãe escocesa, Michael Portilllo, formado em História pela Universidade de Cambridge e ocupante de uma cadeira no Parlamento britânico desde 1982, é um dos nomes mais cotados, dentro do partido, para suceder o primeiro-ministro John Major na liderança dos conservadores britânicos.
A sucessão de Major, 55, só ocorrerá caso o premiê, cuja popularidade caiu para os níveis históricos mais baixos nas pesquisas de opinião, não tenha a confiança dos conservadores para liderar o partido na eleição geral prevista para dentro de dois anos.
Portillo, porém, diplomaticamente, despista ao falar de suas ambições políticas.
John Major vai estar à frente dos conservadores por tantos anos ainda que serei muito velho para pensar em sucedê-lo ...
Portillo recebeu a Folha em seu gabinete no Ministério do Trabalho para uma conversa em torno do "chá das cinco" numa tarde fria de Londres. A seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - O sr. é considerado um eurocético, um dos principais adversários dentro do governo britânico da União Monetária Européia. Por que?
Michael Portillo - A moeda única levanta questões econômicas e políticas. Do lado econômico, obviamente, está o fato de que a moeda única vai amarrar as economias da Europa, criando grandes dificuldades caso elas não estejam prontas para funcionar juntas.
Se houver grandes disparidades na maneira como essas economias funcionam resta a questão política de que um país, ao abrir mão de emitir sua própria moeda, controlar sua própria política monetária, poderá sofrer sérias implicações constitucionais.
Folha - Quais?
Portillo - A redução ou perda de sua soberania. É que se a decisão a favor da introdução da moeda única for antecipada para muito em breve, 1997 como se sugere, apenas poucas economias estarão prontas. No caso, será uma decisão política e não econômica.
Folha - Qual é a posição do governo britânico?
Portillo - A posição do governo britânico é a de que não podemos imaginar que a Europa, devido às disparidades econômicas internas, esteja pronta para a moeda única em 1997 e se a introdução dela for antecipada de 1999 para 1997 nós seremos contra a moeda única.
A um prazo mais longo, nos reservamos o direito de considerar as circunstâncias da ocasião.
Folha - A União Européia, em torno do mercado e moedas únicos, é um passo à frente para o comércio livre ou um obstáculo ao comércio livre?
Portillo - Os blocos econômicos, qualquer um deles, seja Nafta, Mercosul ou Comunidade Européia, são em última análise inconsistentes com o ideal do comércio livre porque na sua essência são acordos discriminatórios e discriminação é contra o comércio livre.
Folha - Na sua opinião, os blocos econômicos são intoleráveis?
Portillo - Os blocos são toleráveis, até mesmo bem-vindos, se destruírem as barreiras comerciais. O Mercosul, por exemplo, tem uma tarifa externa que é menor do que a tarifa externa anterior. Assim, o Mercosul é um passo na direção do comércio livre.
Na União Européia, que é uma entidade econômica mais madura e mais desenvolvida, deveríamos ser um passo na direção do comércio livre. Mas há conflitos e impulsos protecionistas.
Folha - Quais?
Portillo - Na forma da discriminação porque a União Européia tem uma tarifa externa média para vários produtos que, na prática, torna mais difícil a entrada de produtos de fora.
O governo britânico teme que a União Européia se torne protecionista. Vamos lutar ao lado dos defensores do comércio livre dentro da Comunidade Européia para evitar que isso aconteça.
Em qualquer nova decisão sobre a União Européia, o Reino Unido quer ter a certeza de que os países da Europa não estarão criando um mercado exclusivo e protecionista.
A criação da chamada "fortaleza Europa" é uma política que não podemos apoiar.
Folha - Existe esse risco?
Portillo - Existe. Mas a posição do governo britânico é a de que nenhum país e nenhuma região devem novamente seguir políticas protecionistas. O Reino Unido é uma nação comerciante. Nós exportamos mais per capita do que o Japão. Vendemos pizzas para a Itália. O comércio está na nossa história e é a base de nossa riqueza e de nossa prosperidade.
Aqueles que questionam os benefícios do comércio livre esquecem as lições da história. Entre as duas grandes guerras deste século o protecionismo fechou mercados, tirou o emprego de milhões de pessoas e desempenhou um papel decisivo na criação do caos econômico que deu margem ao crescimento do totalitarismo.
Mas nos 50 anos desde a guerra, houve prosperidade sem paralelo à medida que cresceram o comércio e a produção. Em vez de tarifas médias de 40% quando o Gatt (Acordo Geral de Comércio e Tarifas) foi fundado, temos agora um nível médio de 3%.
Folha - Qual é a posição da Reino Unido com relação à substituição do Gatt pela nova Organização Mundial de Comércio?
Portillo - Defendemos a adesão total à nova disciplina de comércio livre introduzida pela OMC e vamos buscar a negociação para a remoção de todas as barreiras ao comércio livre, inclusive a redução dos subsídios à agricultura tanto na Europa quanto em outras partes do mundo.
Dentro da União Européia vamos sempre lutar por uma Europa aberta ao comércio livre em um mundo aberto ao comércio livre.
Folha - Qual é a atitude do governo britânico com relação ao comércio com a América Latina, especialmente com o Brasil?
Portillo - O sucesso recente da América Latina é integralmente reconhecido pelo governo britânico. A recente experiência do México não deve desviar a atenção dos grandes avanços políticos e econômicos feitos na última década.
Nem os acontecimentos no México têm qualquer relação com o que ocorre em São Paulo, Buenos Aires e Santiago, onde as características econômicas são diferentes.
Nos mercados financeiros o que se vê são seus agentes equivocadamente fazendo a mesma leitura das condições econômicas dos países latino-americanos.
Folha - Quais as lições que se pode tirar da crise mexicana?
Portillo - As presentes dificuldades do México não indicam de forma alguma que o investimento externo seja um malefício.
O governo britânico continua ansioso para assegurar que ao reconhecimento da modernização política da América Latina, com a redemocratização, seja seguido pelo reconhecimento comercial.
O Reino Unido é o segundo maior investidor externo na região, e as exportações britânicas para a América Latina cresceram 50% desde 1991.
Folha - Apesar disso o comércio do Reino Unido com a América Latina é baixo. Por que?
Portillo - De fato, o Reino Unido tem uma parcela de 6% no comércio mundial, mas menos de 2% do comércio com a América Latina e exportamos bem menos do que países comparáveis como França, Alemanha ou Itália.
Os exportadores e investidores britânicos não podem perder a oportunidade de marcar presença em uma região cujo crescimento econômico só é superado pelos países da região Ásia-Pacífico.
Há muitas evidências do renascimento do interesse britânico na região como prova a dificuldade de se arranjar passagens nos vôos para de Londres a São Paulo.
Há pouco mais de um mês meu colega de governo Michael Heseltine, presidente do Conselho de Comércio, lançou uma grande iniciativa, a Campanha Elo com a América Latina, com o objetivo de aumentar o comércio entre o Reino Unido e a região.
A crise mexicana, que tem solução, não assusta. Levaremos à frente a iniciativa de encorajar o comércio e abrir mercados. Nosso compromisso com a América Latina é de longo prazo.

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