São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por que o frio Scheuer se inflamou

O presidente da Anfavea, Luiz Adelar Scheuer, é pessoa educada e contida que cometeu dois erros na vida. O primeiro foi o de pagar propinas a PC Farias. Trabalhasse na Mercedes da Alemanha, no mínimo teria sido processado pelo governo alemão e afastado pela empresa de qualquer cargo de representação empresarial.
Como abaixo da linha do Equador até chucrute termina em feijoada, Scheuer foi mantido no cargo a tempo de cometer seu último erro: anunciar o fim do acordo dos carros "populares", e ameaçar o país (não o governo) com corte nos investimentos do setor, em função de presumível não-cumprimento de acordo de redução do IPI dos carros médios.
Porque um funcionário de empresa de caminhões, frio e educado, ficou tão indignado e petulante, a ponto de ser desautorizado pelos próprios fabricantes de carros de passeio?
É simples, e tem a ver com caminhões —não com carros de passeio.
Nos últimos meses, sua empresa aumentou em mais de 40% os preços de seus veículos —sem contar o ágio que comeu solto no ano passado.
No ano passado, o aumento consistiu em cortar descontos e permitir o ágio. Para este ano, planeja impor seu poder de cartel e arrebentar com qualquer referencial de estabilidade de preços. O fim do acordo dos carros "populares" serviria de álibi para um jogo no qual o país ficou indefeso —em função da pressa pouco criteriosa com que se alteraram alíquotas de importação.

Xeque no rei
Processos de retomada de desenvolvimento aumentam substancialmente a demanda por transportes. Tem uma grande safra para ser colhida, no meio de um plano de estabilização. E uma frota de 1 milhão de veículos com idade média de dez anos —três anos a mais do que a média internacional.
Tudo isto conferiu ao setor de transportes rodoviários uma importância estratégica muito maior do que a habitual.
Para este ano, estima-se uma demanda potencial de 100 mil caminhões. A produção nacional é francamente insuficiente. No ano passado, foram produzidos internamente apenas 53 mil caminhões.
Com esse desequilíbrio entre oferta e procura, o único instrumento de contenção de preços eram as importações. Para este ano, a Confederação Nacional dos Transportes estima as necessidades de importação, para mera complementação da oferta, em 20 mil a 30 mil caminhões e em 5 mil a 10 mil chassis de ônibus.
A pressa do governo em aumentar as alíquotas de importação acabou incluindo caminhões no mesmo balaio. O esperto Scheuer deu-se conta de que a dama da economia —ministra Dorothéa Werneck— abrira mão de sua torre —as importações— antes de se certificar que seu rei —o plano de estabilização— estava suficientemente defendido. E saiu correndo para dar xeque no governo.
Vai levar xeque-mate —e não por represália. Mas porque não se pode deixar o país inteiro à mercê de um cartel —de fabricantes de caminhões.

Texto Anterior: O franchising não é para amadores
Próximo Texto: Gasto com publicidade é a chave para ganhar receita
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.