São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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Hollywood se curva a Quentin Tarantino

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Aos 32 anos, Quentin Tarantino é o jovem diretor mais cortejado de Hollywood. Na Inglaterra, onde cópias pirateadas dos scripts de "Cães de Aluguel" e "Tempo de Violência" (Pulp Fiction) são consumidas com a voracidade de álbuns pop, ele se tornou um ícone de massa com direito a maltas de fãs e retratos em camisetas.
Todos os grandes astros querem trabalhar com ele. A produtora e distribuidora Miramax —que bancou seus dois únicos filmes— não apenas fechou com ele um contrato de quatro anos, como entregou à sua direção uma nova divisão dedicada a cineastas emergentes, para que ele possa produzir projetos de outras pessoas.
E, como se não bastasse a Palma de Ouro em Cannes, ele acaba de receber sete indicações para o Oscar por "Tempo de Violência", filme que estréia no Brasil em 3 de março e que muitos consideravam violento e "underground" demais para o "establishment" de Hollywood.
Nada mau para alguém que, há quatro anos, era um obscuro balconista de uma videolocadora em Los Angeles, com ginasial incompleto e algumas aulas de arte dramática no currículo. "É a vingança do nerd", diz Tarantino, bebendo o terceiro copo de vinho tinto.
Num futuro de possibilidades quase infinitas, Tarantino escolheu projetos modestos, mas interessantes: está dirigindo um dos quatro episódios de "Four Rooms", filme em quatro partes e quatro quartos de hotel em Los Angeles durante um réveillon, e produzindo um roteiro de seu amigo Robert Rodriguez, "From Dusk Till Dawn". "Não acredito em gastar muito dinheiro num filme", diz. "Filmes não são feitos para gastar, mas para fazer dinheiro."

Folha - Na sua cabeça, o fato de o herói de "Tempo de Violência", vivido por John Travolta, ser um viciado em heroína representa um problema?
Quentin Tarantino - Não. As drogas, a seringa, aquilo é parte do desenho do personagem. Aliás, aquela cena de Vincent se injetando é, sem falsa modéstia, a melhor cena de alguém se injetando da história do cinema!
Mais perturbador para mim é o fato de John Travolta ter criado um personagem tão simpático. Na página, Vincent tinha aspectos repelentes. Mas, do modo como Travolta o interpreta, você continua a gostar de Vincent mesmo depois da carnificina, mesmo depois das drogas. Isso é, em essência, uma criação de John, uma contribuição dele à composição do personagem.
Folha - Como você chegou a Travolta? Vincent foi escrito para ele?
Tarantino - Não, não. Vincent existia no papel muito antes de eu conhecer Travolta. Saímos uma vez para almoçar, uma dessas coisas arranjadas por nossos agentes, para nos conhecermos, e, na hora, a coisa ficou por aí.
Foi só depois, quando eu já estava trabalhando na pré-produção do filme, é que eu percebi que John era Vincent. Mas isso acontece muito comigo. O papel de Mia também não tinha definição física alguma na minha cabeça. Ela era negra, branca, asiática, latina? Muito jovem? Mais velha? Foi só quando vi Uma Thurman lendo o roteiro é que me deu um estalo —Mia era Uma!
Folha - De onde vem o conteúdo extremamente violento de seus filmes?
Tarantino - Do gênero com o qual tenho trabalhado; todos os meus filmes foram filmes de crime. A violência é uma parte inerente desse estilo. Agora, você poderia argumentar que a violência é uma parte inerente da humanidade, e eu concordaria.
Há violência latente, crueldade mesmo, em obras como "O Morro dos Ventos Uivantes". Agora, expressar ou não essa violência é uma questão estilística. Quando eu fizer um outro gênero de filme, posso ou não resolver expressar violência. Mas, no fim da minha carreira, espero ter feito uns 20, 30 filmes. E gostaria que nem todos fossem de crime.
Folha - Que outros gêneros você gostaria de dirigir?
Tarantino - Comédias. Acho que já existe muito humor no meu texto, nos meus personagens. Gostaria de explorar esse aspecto.
Folha - E o que você teria a dizer a respeito da acusação de que seus filmes têm violência gratuita, sem um foco moral?
Tarantino - Não tenho preocupação alguma em julgar meus personagens. Não sou Deus. Olho para eles com um ponto de vista neutro. Se a violência é parte do trabalho deles —como em "Cães de Aluguel", "Tempo de Violência"— então é isso aí. Quem tem esse ponto de vista —que violência precisa ter um foco moral— tem uma divergência profunda de opinião comigo.
Folha - De onde vem a inspiração para seus filmes?
Tarantino - De outros filmes. Não estou dizendo nenhuma novidade, estou? Se alguma coisa é boa e já foi feita antes, não tenho nenhum problema em usá-la do meu jeito. Mas também muita coisa vem da fantasia e das minhas observações sobre o cotidiano.
Meus personagens falam como eu gostaria de falar, de um modo colorido e vagamente antiquado. Essa é a parte da fantasia.
Folha - Você tem essa perspectiva, que parece prevalecer na mídia, de que "Tempo de Violência" é "alternativo" demais para ser reconhecido pelo "mainstream"?
Tarantino - Primeiro queria deixar claro que não faço filmes "alternativos". Eu faço filmes, ponto final. Quero que as pessoas vejam meus filmes. O máximo possível! Não quero fazer filmes para meia dúzia de sujeitos, para amigos. Quero fazer filmes para o grande público. Agora, isso é "mainstream"? Gosto de imaginar que sim, e que o "mainstream" é que está mudando e chegando perto da minha visão de cinema.

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