São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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"Smoke" é a grande atração de Berlim

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Consagrado como um dos mais originais escritores contemporâneos ("A Cidade de Vidro", "Leviatã"), Paul Auster estreou com tudo como roteirista em "Smoke", o grande favorito na disputa hoje do Urso de Ouro de Berlim-95.
O filme trata da relação entre moradores do Brooklyn nova-iorquino, tendo como ponto de encontro uma tabacaria. Wayne Wang ("O Clube da Felicidade e da Sorte") assina a direção e Harvey Keitel e William Hurt são os autores principais.
Menos feliz foi o batismo de Auster como co-diretor ao lado de Wang em "Blue in the Face", uma espécie de continuação improvisada de "Smoke". Junto a um grupo de jornalistas europeus, a Folha entrevistou o escritor na tarde da última sexta-feira.
Também participaram do encontro o diretor Wayne Wang e o ator William Hurt. Leia abaixo uma síntese do encontro.

Folha - Por que o senhor co-assina a direção de "Blue in the Face" e não a de "Smoke"?
Paul Auster - Foram duas experiências completamente diferentes. Em "Smoke", Wayne Wang estava no set. Ele era o diretor e eu o roteirista. Trabalhamos duro juntos antes de as filmagens começarem e depois na sala de montagem. Mas no set Wayne era o chefe. Eu estava lá em geral fazendo outras coisas, principalmente preparando "Blue in the Face", escrevendo pequenas notas para ler aos atores. A única razão para eu ter virado diretor foi Wayne ter ficado doente e não ter sido capaz de aparecer em dois dos seis dias de filmagem. Havia tanto a fazer em tão pouco tempo, foi tão frenético, que de fato exigia duas pessoas.
Folha - O senhor escreveu um roteiro também para "Blue in the Face"?
Auster - Não, preparei apenas algumas notas com algumas sugestões sobre o que os atores deveriam dizer. Era uma espécie de sinais de trânsito para ajudá-los a pensar nos personagens que assumiriam na tela. Mas eles tiveram liberdade para improvisar. Uma cena podia ter uma página, apenas descrevendo um resumo geral da situação.
Folha - A estrutura alternando ficção e documentário foi pensada antes da filmagem?
Auster - Não. Quando fomos fazer o primeiro balanço de filmagens, surgiram algumas idéias. Uma delas foi a de colocar estatísticas sobre o Brooklyn na tela, mas depois nos pareceu melhor ter gente real falando os números. Wayne, quando nós tivemos a idéia dos documentários?
Wayne Wang - Foi na sala de montagem. Notamos que o filme era tanto sobre o Brooklyn que faltava um dos moradores reais. Saí então com a câmera de vídeo parapegar os depoimentos. Só um documentário: a idéia original era rodar sem parar dez minutos de filme, fresco e improvisado, e filmar novamente depois de marcas e comentários. Montaríamos depois combinando as duas versões. Mas a maior parte das cenas não funcionou assim.
William Hurt - Posso fazer um comentário? Tenho idéias bastante definidas sobre improvisação. Não a considero uma forma de arte. Para muitos atores, é uma técnica de desenvolvimento de personagem que se mantém completamente íntima e jamais se exibe publicamente. "Smoke" é mais profissional e "Blue in the Face", mais desleixado.
Wayne Wang - Concordo parcialmente com Bill (Hurt). O que ele disse foi exatamente o que atraiu a mim e a Paul. Sempre que faço um filme completamente profissional, por alguma razão me dá vontade de fazer o seguinte completamente por instinto. Na história do meu trabalho, eu vou do absoluto profissionalismo de "Eat a Bowl of Tea" ao informalismo de "Life Is Cheap", muito parecido em estrutura com "Blue in the Face". Tento fazer isso para me manter honesto, questionando-me sempre sobre minha decisões.
Auster - "Blue in the Face" é um pequeno filme. Alguém me disse ontem que ele parece como se nos detivéssemos um pouco sobre uma das fotos que Auggie (Harvey Keitel) tira diariamente em "Smoke". Isso põe um pouco "Blue" em perspectiva. É "Smoke" a grande obra.
Folha — O que tem de autobiográfico no conto "Auggie Wren's Christmas Story"', que deu origem a "Smoke"?
Auster - não é uma peça autobiográfica. Isto é, parte do conto trata da paralisia criativa de um escritor, como eu. Mais isso é tudo.

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