São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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Festival recupera comédia européia

Cinema mudo é sucesso em Berlim

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

O centenário do cinema e a fraca nova safra transformaram Berlim 95 em um festival sobretudo de pesquisa histórica. Além de reescrever a lenda de Buster Keaton, todo o primeiro período do cinema europeu recebeu novas luzes com a mostra "Slapstick & Co".
A tese principal se confirmou: antes da explosão da comédia americana com os mestres Chaplin, Keaton, Laurel & Hardy e Lloyd, houve uma fundamental escola européia. Dois fatores explicam seu ofuscamento: a destruição da maioria das cópias de seus filmes e a real superioridade cômica dos acima citados.
O ciclo só se tornou possível devido ao apoio do chamado Projeto Lumière, que há três anos reúne 30 das principais cinematecas européias no primeiro movimento conjunto de reconhecimento e recuperação de patrimônio fílmico da União Européia. A iniciativa tem três linhas de ação principal: estabelecer o primeiro banco de dados unificado sobre o cinema europeu; buscar e identificar clássicos considerados perdidos e restaurar filmes através dos esforços dos arquivos.
A retrospectiva apresentou ontem o último de seus dez programas. Dois deles foram de apresentação geral; três, especialmente dedicados a Max Linder (1883-1925) e os demais, reservados aos casos nacionais da Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Rússia. Acompanha o ciclo o lançamento de um breve. mas pioneiro volume, "Slapstick & Co - Early Comedies" (Argon, 1995), editado por Helga Belach e Wolfgang Jacobsen com contribuições de Thomas Brandlmeier, Frieda Grafe e Paolo Cherchu Usai.
Como sinaliza Brandlmeier em seu texto, a comédia européia muda parece ser um dos elos perdidos entre o cinema das atrações de Lumière e Méliès (usando a terminologia de Tom Gunning) e o filme narrativo cristalizado pela obra de Griffith ("O Nascimento de uma Nação"). Se como Gunning pioneiramente afirmou, Lumière e Méliès têm em comum "uma visão de cinema menos como um meio de contar histórias do que um jeito de apresentar uma série de imagens para o público, fascinando-o pelo seu poder ilusório e exótico", os primeiros cômicos adaptaram essa fórmula, visando sobretudo a fascinação pelo efeito humorístico.
Durante boa parte da primeira década deste século, a trama das comédias era rudimentar, envolvendo conquistas, perseguições ou uma combinação de ambos. Mais importante que isso, inúmeras delas exploraram o potencial cômico das primeiras trucagens. Encheram as telas de Berlim efeitos como o do corte seco, que faz um homem tornar-se animal ou um objeto substituir outro ("O Sonho de Promoção de Constable Smith", 1912) ou o da reversão da ação fazendo tudo andar para trás ("Tontolini Rouba uma Bicicleta", 1910). O coração desses filmes não está na história que conta ou tampouco no personagem que as protagoniza, mas sim no impacto cômico de uma manobra técnica.
Fred Evans, um cômico britânico pouco conhecido até por especialistas, surge em Berlim como o último mestre desse grupo de transição. Originário do teatro, onde forjou seu personagem Pimple, Evans tornou-se no início dos anos 10 o mais popular comediante do cinema inglês, estreando um curta novo por semana.
As comédias de Pimple a um só tempo satirizavam o legado dos efeitos de Méliès e desenvolviam-se em direção a comédias de tramas mais complexas. "A Batalha de Waterloo" (1913) é encenada em um cenário de grandes telões pintados em que os cavalos são interpretados por homens. Em "O Tenente Pimple e o Submarino Roubado" (1914), os famosos cenários de Méliès são parodiados por mares e submarinos canhestros; já o roteiro, conhece muito mais etapas do que a média da época.
Por fim, em 1917 Pimple realizava uma espécie de filme-testamento: "The Whip" (O Chicote). O filme é uma adaptação de um dos maiores sucessos dos palcos ingleses e gira em torno de uma grande corrida de cavalos. No teatro, "The Whip" ficou célebre por seu radical realismo, ao levar para a encenação cavalos e até uma locomotiva reais. No cinema, Pimple mal disfarça homens com selas e exibe um trem de papelão. A era das atrações ficara para trás. Chegara a vez do cinema da ilusão.

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