São Paulo, terça-feira, 21 de fevereiro de 1995
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Impunidade

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO — Foi impossível impedir o surgimento de recordações funestas ao tomar conhecimento do triste fim das investigações das denúncias de tortura havidas durante as operações militares de combate à criminalidade no Rio.
Recordações de um tempo em que se criavam circunstâncias e se utilizavam argumentos que deveriam estar definitivamente varridos pelos ares da democracia.
Tempos em que as pessoas eram presas, sumiam para nunca mais aparecer. E nada ficava provado, nunca havia o que declarar, nenhuma denúncia era procedente.
A história recente do país aparentemente indicava que esse tipo de prática que infernizou o país durante o regime miliar estava definitivamente banida.
Mas não. Apesar de passados já tantos anos, apesar de os mecanismos democráticos terem se aprimorado a ponto de a Constituição brasileira ser considerada uma das mais modernas do mundo no que se refere aos direitos humanos, eis que de repente hábitos e procedimentos inaceitáveis retornam.
O que dizer do fato de o coronel responsável pela apuração das denúncias de tortura a moradores do morro do Borel, no ano passado, não levar em consideração os exames de corpo delito das supostas vítimas? São relatórios oficiais, elaborados pelo próprio Exército, nos quais fica claro que pelo menos quatro cidadãos foram submetidos a violência (um deles, a "tortura" ou "tratamento insidioso e cruel").
Em vez de atentar para as observações de seus companheiros capitães-médicos responsáveis pelos exames, o coronel-investigador (Moacyr Gonçalves Meirelles) preferiu se ater ao que classificou de relatos vagos, imprecisos, contraditórios e emocionais das vítimas. Para considerar que as denúncias não eram procedentes.
Bem, trata-se de uma questão de estilo e coerência. Afinal foi o mesmo coronel, em sua peroração no Inquérito Policial Militar, que considerou a ação no Borel "brilhante, bem preparada e executada com precisão e profissionalismo...".
Talvez, para chegar a essa conclusão, o coronel tenha levado em consideração que, entre o perigoso material apreendido na favela, estavam "oito canetas, 11 coadores de café, três lápis de cera e um desodorante"...

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