São Paulo, terça-feira, 21 de fevereiro de 1995
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Nova Liberalitas

HÉLIO SCHWARTSMAN

O que todos querem saber é se o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso vai ou não dar certo. O resto é nhenhenhém. Aliás, o país em que o uso da palavra "nhenhenhém" (como a dona Ruth pode explicar, o termo tem origem no tupi "nheë nheë ñeñë", "falar, falar, falar") acaba virando uma das principais novidades políticas da semana só pode mesmo estar vivendo um processo... de ensandecimento.
E quando se trata de adivinhar o futuro, nada mais conveniente do que consultar um oráculo. Como já estabeleceu Platão, é preciso distinguir duas formas de adivinhação, a chamada sadia e a dita insana (ou extática).
Pela primeira, a mais científica, o adivinho lê o futuro interpretando certos sinais de acordo com leis fixas da adivinhação. Pelo segunda, o profeta, xamã ou pitonisa é possuído pela divindade e entra num frenesi temporário durante o qual quem fala é a própria deidade.
Na adivinhação sadia o futuro costumava ser lido no vôo e canto dos pássaros ou nas entranhas da primeira besta que o consulente encontrasse. Há notícias não-confirmadas de que, numa tomografia do fígado de ACM, um médico leu claramente: "Problemas, problemas, problemas".
Já no campo da adivinhação insana, o Brasil também vai encontrar "problemas, problemas, problemas". Uma pitonisa chamada Cálida Moneta, inebriada pelos gases do Templo de Hermes Dotor Eaon, na cosmopolita cidade de Nova Liberalitas, chegou a prever, para o Brasil, problemas cambiais e sociais, além de indefinições na área política.
O que ela não conseguiu avaliar corretamente, há quem diga que é encanto de um pajé invejoso em campanha contra os importados, é se FHC conseguirá ou não fazer aprovar, no Congresso Nacional, também conhecido como a Assembléia dos Justos, as reformas que pretende implementar.
E não se pode negar a importância das reformas. Talvez o maior reformador da história tenha sido o ateniense Sólon, que é até hoje lembrado como um excelente reformador. Ele substituiu a Constituição de Draco (que acabou nos legando o termo "draconiano") pela sua e assim inaugurou a famosa democracia ateniense. Duas de suas principais medidas foram decretar o fim da escravidão por dívidas e universalizar o acesso à Justiça.
Infelizmente, nos últimos séculos o mundo bobamente andou descuidando das tão interessantes ciências divinatórias, de modo que não existe tecnologia disponível para que avancemos no assunto. De qualquer forma, pessoas interessadas em promover a "reengineering" dos oráculos podem escrever para Delfos.

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