São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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Liz Phair é uma 'Madonna inteligente'

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Elizabeth Clark Phair não é linda, de nenhuma forma em particular. Longe de ser um símbolo sexual, ela se perde na multidão.
Mesmo assim, Liz Phair é "uma Madonna inteligente", num dos rótulos mais fáceis que a mídia lhe brindou.
Se o prazer sexual feminino permaneceu menosprezado durante as quatro décadas de evolução do rock'n'roll, a inteligência, então, tornou-se um tabu ainda maior.
Depois de quase 40 anos de letras sobre mulheres lindas, mas vazias —burras, mesmo—, Liz Phair é uma vingança bem-vinda.
Ela não guarda seu grande encanto nos cabelos oxigenados, que não tem, ou no corpo escultural, que lhe falta, mas na boca, no batom borrado por frases sujas, nos lábios mordidos por desejos que uma boa menina não devia contar.
Ao se declarar "a rainha do sexo oral", reclamar "que fim levou aquele tipo de namorado que te ganhava?", e dizer-se "uma cadela na primavera, você pode me alugar por hora", Liz Phair chutou a imagem da musa passiva das letras de rock.
Liz Phair parou o coração de gelo da crítica, pela primeira vez, em 1993, com uma resposta na ponta da língua para a apoteose do rock masculino, o álbum "Exile on Main Street", dos Stones. O primeiro LP, "Exile on Guyville", apesar de ter uma tiragem de álbum independente, chegou a vender 200 mil cópias e ser considerado o disco do ano.
Cantora, compositora, co-produtora do disco e diretora dos vídeos de divulgação, Liz Phair surgiu disposta a tudo. E os camarins dos shows, que ela odeia fazer, tornaram-se disputados por Winona Ryder, Patricia Arquette e outras famosas que a elegeram um modelo para as americanas.
Phair confessa que suas músicas refletem os temas que costumam surgir nas conversas entre as mulheres de sua geração. E que essas conversas são francas, casuais e na maioria das vezes tão clínicas quanto as dos homens. "As mulheres dissecam tudo", ela diz.
Seu sucesso não é um caso isolado. Liz Phair faz parte da geração de PJ Harvey, Breeders, Juliana Hatfield, Luscious Jackson e outras, que se recusam a assumir o papel das bonitinhas passivas das letras de rock. Tomando as guitarras dos moleques, elas passaram a gritar por seus direitos ao rock.
A diferença entre a atual geração do rock feminino e as anteriores está no engajamento —em causas femininas, como o aborto—, e na preocupação com a sexualidade. As novas "rockers" não querem imitar os rapazes e seus clichês de masculinidade, como Joan Jett e Chrissie Hynde, nos 70.
Elas não chegam a se dizer gostosas, mas falam abertamente sobre o que gostam num homem.
Liz Phair consegue transformar em hit as qualidades de cama de seu novo amante (a música "Supernova", do novo disco, "Whip-Smart", que está saindo este mês no Brasil).
Suas letras não falam de fantasias eróticas, como as músicas e vídeos de Madonna —de um erotismo bastante masculino—, mas de sexo, descrito sem mistificação, sob o ponto de vista feminino. Como resume o refrão da música "Nashville", de Phair: "Não vou decorar o meu amor".
A mudança de perspectiva é ainda maior do que a promovida pelo grupo inglês The Smiths (fragilidade masculina). Uma mostra aparece já na música que abre "Whip-Smart": "Ele propôs que fizéssemos de trás pra frente e eu disse que estava bem por mim, porque assim podíamos transar e ver TV".

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