São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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Claude Chabrol apanha espectador na arapuca das imagens em 'Ciúme'

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

"Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo" é o filme mais perturbador de 94, que agora chega às locadoras. O diretor francês Claude Chabrol ("Um Assunto de Mulheres", "Madame Bovary") esmiúça o mecanismo desse sentimento e constrói uma narrativa onde o delírio ocupa posição central.
Chabrol recuperou um roteiro que o diretor Henri Clouzot escreveu no início dos anos 60. Clouzot começou a filmá-lo —com Romy Schneider no papel aqui representado por Emmanuelle Béart—, mas teve que abandonar o projeto por problemas de saúde.
A trama é elementar: Paul (François Cluzet) é proprietário de um hotel-fazenda no interior da França. Ele conhece Nelly (Béart), se apaixona por ela, se casam, têm um filho, mas, particularmente por causa da beleza exuberante da mulher, desenvolve um ciúme doentio que conduzirá sua história de amor para um fim trágico.
O tratamento que Chabrol dá à trama reforça o realismo da situação e instaura um efeito universalizante que funciona como uma arapuca para o espectador.
O primeiro mérito deste tratamento diz respeito à economia narrativa, isto é, ao tempo do filme. Em menos de dez minutos a base da situação já foi apresentada: a aproximação, a paixão, o casamento e o nascimento da criança. A segunda parte tem um mecanismo oposto: as suspeitas de Paul são adequadamente descritas como uma visão subjetiva, com tempos dilatados que acentuam o sentido delirante do sentimento que se apossa do personagem.
A mesma estrutura de oposições afeta o espaço. Em meio a um cenário de natureza paradisíaca desenvolve-se um afeto infernal. Não há correspondências entre estados interiores e exteriores, entre estados de alma e estados de natureza, mas antes colisão entre as duas perspectivas.
Isto exige uma consideração do trabalho das imagens que Chabrol constrói em "Ciúme". O fato de o diretor não fornecer índices que permitam reconhecer diferenças entre imagens objetivas e subjetivas, reais e virtuais, coloca o espectador na posição de brinquedo nas mãos de um jogador perverso.
A proliferação de imagens refletidas em espelhos serve como símbolo desse tipo de jogo. A questão que se impõe é: o que leva alguém a acreditar naquilo que vê? Se, em princípio, o personagem delira, e a ficção é, por excelência, uma alucinação, o que ainda sobra para o espectador confiar?
Só quando o hóspede que registra tudo com uma câmera exibe seu filme no hotel, é permitida uma percepção distinta das imagens. Este é o único momento em que se criam condições para o espectador desconfiar daquilo que lhe é dado ver.
Durante o resto do tempo o que se mostra brilha pela capacidade de atentar contra o conforto do espectador. O que ainda é indispensável.

Filme: Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo
Direção: Claude Chabrol
Elenco: François Cluzet, Emanuelle Béart
Lançamento: Mundial (tel. 011/536-0677)

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