São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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Presidente indignado

ANTONIO DELFIM NETTO

O presidente Fernando Henrique Cardoso saiu-se bastante bem na sua primeira entrevista coletiva. Não fez pirueta, não procurou desnecessária originalidade, revelou cordialidade e humildade invejáveis, demonstrou segurança e transmitiu confiança. Fez o mínimo de teatro quando oportuno (como no caso do salário mínimo), mas às vezes assumiu atitude defensiva diante de provocações tão óbvias quanto irrelevantes (como no caso do "neoliberalismo").
O presidente é um homem treinado no debate. Sabe, por experiência própria, como a esquerda tem dificuldade de lidar com a lógica. No debate ela prefere o slogan e a estigmatização ("reacionário", "direita", "neoliberal"). Não interessa discutir os motivos e os objetivos do governo porque aqui ela sabe que se perderá.
As generalizações, slogans e estigmatizações já gastas ("defesa contra o imperialismo", "segurança nacional", "símbolo da pátria", "soberania"...) têm hoje pouco efeito mobilizador. O "povo" (da esquerda) anda cada vez mais desconfiado que foi apenas sua massa de manobra e que alimentou um monstruoso parasitismo estatal que devora suas entranhas.
Indignado com o estigma de "neoliberal", nosso presidente fez pequenas concessões a algumas teses dos habitantes do mesozóico que ainda circulam livremente (e com algum sucesso!) entre nós. Mas a proposta que enviou ao Congresso sobre o monopólio do petróleo surpreendeu agradavelmente aos que pensavam que ele havia recuado de posição de seu discurso original!
É uma grande bobagem atribuir o fracasso da estabilização mexicana ao "neoliberalismo" ou ao "consenso de Washington". O México certamente tem problemas sociais e, certamente, também, os mecanismos de ajustes aprofundaram esses problemas.
É por isso que é preciso construir uma eficiente rede de proteção para os que têm maiores dificuldades competitivas. Ora, é isso o que se pretende com o programa da Comunidade Solidária, copiado, aliás, do Chile e do México. Mas há sérias dúvidas sobre a sua eficácia.
Graças a Deus o Brasil não é o México. Mas as lições mexicanas nos servem bastante bem. O grande erro da política econômica daquele país foi basear sua estabilização sobre a valorização exagerada da sua moeda, exatamente o que estamos fazendo no Brasil. É preciso lembrar que o fantástico ajuste fiscal mexicano não livrou o país da sobrevalorização cambial?
Ainda não conseguimos fazer a mesma tolice. Não nos faltou competência. Faltou apenas tempo...
O México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos, precisou acumular quase 100 bilhões de dólares de déficit em conta corrente para sofrer uma crise de liquidez. Nas atuais condições de mercado internacional, se o Brasil fizer no ano um déficit em conta corrente entre 15 e 20 bilhões de dólares, quebra com marcha "aux flambeaux".

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