São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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Capitanias aéreas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — A piada é conhecida. O marechal Costa e Silva sobrevoava a Amazônia quando ouviu alguém comentar que o avião estava a 10 mil metros de altitude. Orgulhoso, o marechal-presidente explodiu: "Eu sabia que o Brasil era grande, mas ignorava que ele fosse tão alto!"
Sim, altíssimo. Depois do ciclo das Descobertas acabaram-se as surpresas geográficas, o contorno de cada continente foi mapeado mais ou menos como até hoje está. Os países descobridores anexaram territórios imensos às suas coroas. E como ficou difícil colonizar as novas terras, pelo menos aqui no Brasil foram instituídas as capitanias que se tornaram hereditárias.
Séculos depois, o espaço em cima de cada país também começou a ser loteado, a princípio para estabelecer rotas do tráfego aéreo, mais tarde, para as telecomunicações. A distribuição dessas concessões deveria servir ao interesse nacional de cada país. Afinal, quem dominar o espaço dominará o mundo, tal como aconteceu com os mares que foram controlados pelas grandes potências marítimas.
Vamos à comparação: o governo loteia as águas territoriais da nação e as divide com os amigos. Numa penada, o sujeito fica dono de um "território" imenso, recebido de beijada mão. Explorará o tráfego em cima e os minerais em baixo.
Nos cinco últimos dias de seu governo, Itamar Franco distribuiu 349 concessões de rádios e TVs. A reportagem de Elvira Lobato na Folha, edição de domingo, dá pormenores. O apoio que o ex-presidente recebeu de grandes e pequenos grupos está explicado.
Evidente que as doações foram feitas através de complicadas negociações políticas, tal como foi admitido por ACM, ex-ministro das Comunicações, que agora está se sentindo traído pelo dr. Roberto Marinho.
Para quem conhece como presentes dessa natureza são dados, é claro que rolaram comissões e estranhas parcerias em cada concessão. Donde se conclui que, além de ser roubado em baixo, o Brasil está sendo roubado no alto.

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