São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 1995
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A verdade sobre o carro popular

JOSÉ EDUARDO FAVARETTO

Na última reunião da Câmara Setorial Automotiva, o governo apresentou duas propostas de alteração da estrutura tributária incidente sobre os veículos: a elevação do Imposto de Importação de 20% para 32% e o aumento da alíquota do IPI incidente sobre os carros "populares" dos atuais 0,1% para 8%.
Se compreendemos e aceitamos o aumento do II, o mesmo, entretanto, não ocorre com o aumento da alíquota do IPI dos carros "populares". Nas reuniões da Câmara Setorial e junto ao governo, apresentamos as razões —fundamentadas em fatos— que embasam a nossa posição. Mesmo tendo o governo já decido pelo aumento do IPI, creio que seja nosso dever, em nome da transparência dos nossos atos, esclarecer a opinião pública quanto ao posicionamento da Fiat.
Três foram os argumentos levantados pelos defensores do aumento do IPI dos carros "populares". Vamos analisá-los um por um.
Em primeiro lugar argumentou-se que a diferença de tributação entre os "populares" (IPI de 0,1%) e os veículos médios (IPI de 25%) e grandes (IPI de 30%), estaria provocando uma "migração" dos consumidores destes últimos em direção do carro "popular". Os fatos não comprovam esta tese. Segundo os dados da Anfavea (associação que reúne as montadoras locais) e Abeiva (associação dos importadores oficiais de veículos), as vendas de automóveis de passageiros médios e grandes, passaram de 637 mil unidades em 1993, para 681 mil em 1994, enquanto as vendas de "populares" passaram de 264 mil em 1993, para 449 mil em 1994. Ou seja, as vendas de médios e grandes não foram prejudicadas, apesar do enorme crescimento dos "populares". Na verdade, o carro "popular" respondeu por 80% do crescimento das vendas totais de autos de passageiros, entre 1993 e 1994, provando que o programa do carro "popular" permitiu a integração de uma nova faixa de consumidores ao mercado de carros novos.
O que está acontecendo, e que não foi devidamente esclarecido pelos defensores desta linha de argumentação, é que as vendas de médios e grandes de produção nacional estão caindo, passaram de 604 mil unidades, em 1993, para 550 mil, em 1994; por causa do aumento das importações de veículos nestes segmentos, as quais saltaram de 33 mil em 1993, para 131 mil em 1994. Portanto, a queda das vendas de médios e grandes nacionais não tem nada a ver com o carro "popular", sendo que o aumento do II deverá restabelecer o equilíbrio nestas faixas de mercado.
Em suma, não existe migração de veículos médios e grandes para o carro "popular" e, aumentar o IPI do "popular" irá golpear exatamente o segmento que está permitindo o crescimento da produção da indústria automobilística nacional.
O segundo argumento levantado pelos defensores do aumento do IPI para os carros "populares" é o de combater o ágio. Não existe nada mais equivocado do que esta posição. No fundo o raciocínio aqui é o seguinte: se existem muitos consumidores desejosos de adquirir um determinado bem, e a oferta deste é insuficiente, vamos aumentar o seu preço, através do aumento de impostos. Será que ninguém pensa na solução óbvia, que seria aumentar a produção? Após o Decreto do Carro Popular, de abril de 1993, a Fiat já aumentou a sua oferta de populares em cerca de 15,4 mil unidades por mês.
O último argumento em prol da elevação do IPI dos "populares", levantado pelo governo, refere-se ao aumento da arrecadação de impostos. Não vamos discutir se isto é ou não necessário, ou se é ou não correto fazê-lo penalizando justamente o consumidor de menor renda. O que desejamos salientar é que o programa de carro "popular" permitiu o aumento da arrecadação de impostos. Senão vejamos: segundo a própria Receita Federal, o recolhimento de IPI sobre automóveis passou de R$ 692,5 milhões, em 1993, para R$ 683,9 milhões em 1994. No entanto, a arrecadação do PIS e Cofins sobre o setor automobilístico aumentou muito mais do que esta pequena perda do IPI. Além disso, estes dados referem-se apenas à arrecadação direta sobre o setor. É preciso considerar, também, os efeitos indiretos que o aumento da produção de automóveis gerou em toda a economia.
Considere o leitor, que a produção de carros "populares" foi de 263 mil unidades, em 1993, e de 448 mil, em 1994. Ora, quanto esta produção adicional de 185 mil veículos não terá impactado positivamente os setores de siderurgia, autopeças, pneus e borracha, vidros, tintas, etc? Quanto isto não deverá ter aumentado a arrecadação tributária nestes setores?
Por fim cabe lembrar que, com o aumento do II para 32%, o governo já está garantindo um acréscimo de cerca de R$ 500 milhões na arrecadação em 1995.
Na prática, o aumento do IPI vai acabar com o Programa do Carro Popular, pois segundo os Protocolos assinados entre as montadoras e o então presidente da República, Itamar Franco, o único benefício concedido foi exatamente a redução do IPI de 8% para 0,1%. Estamos, portanto, acabando com um programa que permitiu aumentar a produção de automóveis para níveis e num ritmo nunca antes visto na história da indústria automobilística brasileira, nem mesmo na época do milagre econômico, nos idos dos anos 70. Mais do que isto, estaríamos, novamente, vedando o acesso de milhares de famílias ao sonho do carro novo.
A Fiat assinou um acordo com a Presidência da República. Mais do que simplesmente assinar, acreditamos neste acordo. Investimos, ampliamos a produção, contratamos cerca de 3.500 novos funcionários, reprogramamos os contratos com os nossos fornecedores e assumimos compromissos com os nossos clientes. Procuramos evitar seriamente a cobrança de ágio, através do sistema "Mille on Line". Esta foi a única iniciativa bem sucedida neste sentido. Nos últimos quatro meses, nenhum comprador do Uno Mille pagou ágio, através do nosso sistema. Em suma, procuramos cumprir com todos os compromissos que assumimos.
Mas, o compromisso maior da Fiat é com o consumidor. E, atualmente, respeitar o consumidor significa, entre outras coisas, atender o perfil de demanda que ele deseja. Por isso, concentramos a nossa oferta nos "populares". Por isso, lutamos contra o ágio. Por isso, fomos contra a elevação do IPI dos populares.
O mercado premia quem respeita o consumidor. Creditamos a isto o notável crescimento da Fiat nos últimos anos.

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