São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 1995
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A fraternidade e os excluídos

LUCIANO MENDES

O tempo da Quaresma, que começa na quarta-feira de Cinzas, é um apelo à conversão. As comunidades se reúnem para preparar e celebrar de novo a Páscoa: a vitória de Jesus sobre o pecado e a morte. A Campanha da Fraternidade convoca, há mais de 30 anos, as comunidades para uma ação conjunta na vivência do amor cristão. Em 95, a preocupação é a de oferecer a 32 milhões de brasileiros, que se encontram em situação de exclusão social, condições dignas de vida, conforme o Evangelho.
Somos chamados a "abrir os olhos" para ver o rosto dos excluídos. São muitos: moradores de rua, crianças abandonadas, idosos e esquecidos, enfermos, portadores do vírus HIV, deficientes, alcoolizados, drogados, prostituídos, encarcerados. Há, ainda, os sem-terra, sem-teto e sem-trabalho. Por que são eles excluídos? É preciso descobrir as causas econômicas, políticas, culturais e até religiosas. Criaram-se mecanismos de exclusão: a cultura de morte expulsa o nascituro, assassina menores, promove sequestros, e o tráfico de drogas. O sistema social e o modelo de desenvolvimento favorecem a ambição, concentrando renda, terra, privilégios e poder.
Somos chamados a "abrir o coração" para amar como Jesus nos ensinou. A exclusão será superada na medida em que deixarmo-nos atrair pelo projeto de Deus. Jesus nos revela que o Pai misericordioso ama a todos como filhos e que, por isso, somos todos irmãos uns dos outros. "Deus não quer que se perca nenhum desses pequeninos".
Na parábola do Bom Samaritano, Jesus, diante do homem assaltado e caído na estrada, mostra compaixão, torna-se próximo, ajuda, e restitui a alegria de viver. Jesus vai mais longe na sua pregação, quando diz: "Tive fome e me deste de comer; estive doente e na prisão e vieste-me visitar". E acrescenta:
"Tudo o que fizerdes a um desses pequeninos a Mim o fareis". Quem diria que o Cristo se identifica com o excluído, o faminto, o maltrapilho, o encarcerado, e todos os necessitados e sofredores? "Eras tu, Senhor!" Francisco de Assis, Vicente de Paulo, Madre Cabrini, mostraram que a santidade consiste em amar os pobres, os prisioneiros, os migrantes, reconhecendo em cada um deles o rosto e a presença do próprio Cristo. Não era assim que irmã Dulce socorria os doentes em Salvador?
Somos chamados a "abrir as mãos" para fazer o bem e realizar o sonho de Deus. Temos que unir o socorro imediato a quem pede comida ao trabalho de promoção humana organizada. A motivação do Evangelho leva-nos assim a assumir a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria, os movimentos comunitários pela saúde, pela terra e pela moradia e, especialmente, pelo emprego. Em todo o trabalho é preciso introduzir a pedagogia participativa que permita às pessoas reaverem a auto-estima e a consciência da própria dignidade.
O cartaz da campanha apresenta a imagem moderna do bom samaritano, carregando o excluído e caído à beira do caminho. A multidão, ao redor, simboliza a sociedade que observa o gesto fraterno. Quem se comoverá? Quem repetirá o gesto fraterno? Neste tempo de Quaresma, o cartaz lança um forte apelo para que, com a graça divina, tenhamos a coragem e a alegria de abrir os olhos, abrir o coração e abrir as mãos.
No final dos tempos, conforme a parábola de Jesus (Mt, 25), não teremos que responder a muitas perguntas. A questão é uma só. Seremos julgados pelo nosso amor aos excluídos.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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