São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Modernização do Poder Judiciário

NELSON JOBIM

O constituinte de 1988, ao criar o Superior Tribunal de Justiça, tinha em vista desafogar a Corte Suprema liberando-a do julgamento de certas questões. Exemplo disso são os recursos "especiais", interpostos contra decisões prolatadas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, que contrariem tratado ou lei federal ou neguem-lhes vigência, que julguem válida ato de governo local contestada por lei federal ou dêem a ela interpretação divergente da atribuída por outro tribunal.
Na verdade, o pretendido desafogo não se deu, ocorrendo antes o contrário.
Dados oficiais evidenciam a "crise" do recurso extraordinário. Depois de 1988, a quantidade de processos remetidos ao STF, relativos àquele recurso, multiplicaram-se por cinco. Só em 94, 27 mil processos foram distribuídos.
A ampla legitimação do controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao STF, mudou substancialmente, ainda que não de modo desejado, o modelo de controle de constitucionalidade até então em vigor. A Carta de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar a legitimação para a propositura da ação direta de constitucionalidade prevista no artigo 103. Isso permite que praticamente todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao STF mediante processo de controle abstrato de normas.
Convém assinalar que toda vez que se outorga a um tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais, limita-se, explícita ou implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para apreciá-las. Portanto, parece quase intuitivo que, ao ampliar o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
Assim, se se cogitava anteriormente de um modelo misto de controle de constitucionalidade, é certo que o forte acento residia no amplo e dominante sistema difuso de controle. O controle direto continuava a ser algo acidental e episódico dentro do sistema difuso. A nova Carta enfatizou o modelo concentrado, passando as questões constitucionais a ser veiculadas mediante ação direta de inconstitucionalidade no STF.
A preservação do recurso extraordinário como direito subjetivo processual das partes envolveu o STF, nosso melhor modelo jurisdicional, numa séria crise que prejudica seu bom funcionamento e a própria segurança jurídica.
Por isso devemos meditar sobre o aperfeiçoamento do sistema misto de controle de constitucionalidade, outorgando efeito vinculante a todas as decisões do STF em matéria constitucional. Trata-se de providência necessária para garantir segurança jurídica e evitar a multiplicação desnecessária de processos nas várias instâncias.
Outra inovação é o incidente de inconstitucionalidade, que permitirá provocar o STF de forma qualificada sobre tema constitucional, quando se configurar controvérsia relevante nas instâncias ordinárias e houver perigo de grave lesão à ordem ou à segurança públicas.
Por outro lado, o desenvolvimento de novos instrumentos como a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo exige que seja repensada a competência dos órgãos jurisdicionais. É preciso, pois, que ações com eficácia nacional sejam decididas pelos órgãos dotados de competência ampla.
Deve-se reconhecer eficácia vinculante às súmulas das cortes superiores, reduzindo a pletora de demandas que só aumenta a insegurança jurídica. Esses atos e outras correções imprimirão nova feição ao Judiciário. Mudanças indispensáveis, mas não suficientes.
A modernização efetiva da prestação jurisdicional exige ampla atuação legislativa e administrativa. A simplificação das normas processuais, já iniciada, a facilitação do acesso à Justiça e a melhoria dos serviços de defensoria pública são imprescindíveis no Estado de Direito Democrático. Vale dizer que o Estado deve investir na boa formação de juízes, promotores, procuradores e advogados. Poderíamos examinar a introdução entre nós de algo semelhante ao chamado Exame de Estado alemão ("Staatsexamen") condicionando o exercício de qualquer carreira jurídica a um exame rigoroso realizado e fiscalizado pelo Poder Público.

Texto Anterior: COMPROMISSO; SALVEM A PERIFERIA; COISAS DO RIO
Próximo Texto: Oxigenação do Judiciário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.