São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Sem futebol, 84 mil crianças voltam às ruas

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Fabrício Parreira de Oliveira, 11, queria ser jogador de futebol. Morador do Jardim Elisa Maria, na periferia norte de São Paulo, o garoto, corintiano, tem como ídolo o atacante Viola. Seu sonho, porém, foi interrompido este ano.
O motivo: o fim das 167 escolinhas de esportes mantidas pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado.
Os funcionários dessas escolas —muitos deles ex-atletas famosos, como Ademir da Guia, Zé Maria, Aurélio Miguel e Ricardo Prado— eram pagos pelo Baneser e acabaram demitidos. O governo ainda prepara um alternativa para reativar o programa, com apoio da iniciativa privada.
"Estou chateado. Era ponta-direita. Fui lá (no clube de várzea Cruz da Esperança, onde funcionava a escolinha) e disseram que fechou. Fui com mais quatro amigos e ficamos tristes", contou o garoto, que recebia aulas de Ademir da Guia e Edu Bala, ex-jogadores do Palmeiras.
Sua mãe, Maria das Graças, 44, está indignada. "Pra entrar num time bom, é preciso ter dinheiro, e dinheiro já viu, né! Ao invés de melhorar, esse governo está piorando", afirmou ela.
Maria das Graças não votou em Covas e anda desconfiada em relação ao presidente Fernando Henrique Cardoso. "Não acredito muito nesse real. Não estou vendo nada. O cara precisa ganhar muito para viver bem", afirmou.
Ela e o marido, que é marceneiro, sustentam a família de quatro filhos com R$ 1.000 por mês.
A escolinha que Fabrício frequentava era local de aprendizado de outra 1.700 crianças pobres, afirma Edu Bala.
"Muitas delas não conseguiriam ser jogadores no futuro, mas iam ali depois da escola. Agora o seu caminho natural é a rua. E na rua tudo se aprende", lamentou o ex-jogador, mais assíduo à escolinha de futebol do que seu parceiro, Ademir da Guia —segundo declaração do próprio Fabrício.
O garoto conta sua frustração enquanto realiza "embaixadas", que revelam intimidade com a bola. A casa inacabada e com quatro cômodos de Fabrício fica distante um quarteirão da antiga moradia —na verdade um barraco— do atacante Viola.
Em 1988, quando Viola saiu do anonimato ao marcar o gol do título para o Corinthians, na final do Campeonato Paulista contra o Guarani, Fabrício tinha 5 anos.
Na ocasião, o menino chegou a dar entrevista para uma emissora de TV, imaginando que um dia chegaria a sua vez.
Até o final do ano passado, o sonho de Fabrício era compartilhado por aproximadamente 84 mil crianças no Estado, que frequentavam as 167 escolinhas.
Segundo o secretário interino de Esportes e Turismo, Antonio Bragança, as escolinhas vão voltar a funcionar, mas ainda não há prazo. "Elas estão temporariamente com as atividades suspensas. Mas existe a intenção de reformulá-las, com patrocínios", afirmou ele.
A Secretaria de Esportes e Turismo foi uma das que mais sentiu o corte no orçamento de 1995. Inicialmente, a verba prevista era de R$ 44,7 milhões. Por determinação do governador Covas, o dinheiro para seu funcionamento caiu para R$ 27,8 milhões.
(GA)

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