São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Favela ameaça invadir circo abandonado

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O fechamento de dois Circos-escolas e duas Casas Abertas, que atendem crianças carentes em São Paulo, está provocando pânico e revolta entre as mães.
Os circos, as casas abertas e os clubes da turma fazem parte de um programa mantido por estatais.
Ainda que haja distorção na aplicação de dinheiro de estatais para esse tipo de programa, o fato é que a população reage mal ao fechamento desses serviços.
"Até agora o Covas não fez nada, só está tirando o que fizeram pela gente. Votei no pilantra, maldita hora", disparou, na semana passada, Célia Regina da Silva, 26, faxineira e mãe de três filhos.
Célia participou na tarde da última terceira da manifestação de 1.200 funcionários e usuários diante da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social.
Moradora da favela do Paraguai, na Vila Prudente, ela reclama do fechamento do Circo-Escola local. Mantido pela Eletropaulo, o circo atendia crianças de seis a 17 anos com programas recreativos, de alfabetização e artes.
Agora Célia não tem mais onde deixar, "com segurança", sua filha Inagara, de 11 anos.
"Chega de nhenhenhém, está na hora de o governo trabalhar", declarou ela.
Moradores da favela disseram que se o governo não reativar o equipamento, as salas de aula de artes plásticas do circo-escola serão invadidas e vão virar moradia.
Até o momento, o governo já fechou também o circo-escola Vila Nova Galvão (também mantido pela Eletropaulo, na zona norte de São Paulo) e as Casas Abertas da Luz (mantida pela Fepasa) e de Moema (Cesp). Essas casas atendem crianças que romperam vínculos familiares. Até ontem, 2.500 crianças já foram "despejadas".
A Folha apurou que estão prestes a fechar o circo-escola Vila Penteado (mantido pelo Dersa), o circo-escola Guapuri (Eletropaulo), a Casa Aberta Jabaquara (Eletropaulo) e o Clube da Turma de Diadema (Dersa), que promove atividades esportivas.
"É natural que as pessoas reclamem. Mas há proposta de a secretaria absorver esses equipamentos mantidos pelas estatais. Estamos preparando um cronograma de transferência", disse Alcione Borner Campos, 49, secretária-adjunta da Secretaria da Criança.
A explicação da secretária-adjunta, porém, não tranquiliza as famílias carentes, que imaginam que as 22 creches também vão fechar —ou reduzir serviços.
"Se a creche parar, não vou poder trabalhar. O Covas fez muita promessa e não vai fazer nada. A gente não quer promessa, a gente quer serviço", disse Ivaildo Castro de Oliveira, 21, pai de um filho, que trabalha em panificadora.
Irônico e preocupado, ele calcula que "pão é o que vai faltar" em sua casa. Juntos, Oliveira e sua mulher têm rendimento mensal de R$ 500.
Embora não estejam, segundo o governo, ameaçadas de fechar, a inquietação se espalha pela cidade.
Na Creche Pré-Escola Guarapiranga, que atende 120 crianças, a mãe Barbina Pereira Barbosa, 34, se emociona e quase chora ao comentar um eventual fechamento do serviço.
"Se ele (Covas) fechar, ele vai ser um monstro", diz ela, ao buscar a filha Rejane, 4. Faxineira em período integral, Barbina ganha R$ 70 reais por mês. "Vou ter de parar de trabalhar e vamos passar fome." Esse é o pensamento de outras dez mães e pais ouvidos ali, nenhum deles ganhando mais do que R$ 200 por mês.
(GA)

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