São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Piazza San Marco atrai o turista canibal

LEON CAKOFf

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE VENEZA

Imagine 70 a 120 mil turistas, como a organização do Carnaval de Veneza espera atrair este ano, todos lotando as vielas e pontes pelos canais da Laguna e todos querendo chegar ao coração da cidade, a Piazza San Marco.
Pesadelo e claustrofobia para uns, êxtase para outros. O turista tem nestes dias chuvosos um comportamento antropofágico.
É o turismo canibal, do auge da era do "one-touch photos". Milhares de pessoas com câmeras automáticas, vampirizando os mascarados, travestidos, fantasiados de nobres e saltimbancos.
Todos perseguindo esses maus atores que estão lá se movimentando lentamente, a serviço do negócio turístico veneziano.
O Carnaval de Veneza é famoso pelas fotos dos seus mascarados, símbolos das permissividades. Hoje, eles estão a postos para não decepcionar os turistas.
Foi-se o tempo em que as máscaras protegiam gestos obcenos e atrevidos do anonimato e encobriam as desigualdades sociais.
A "orgia carnavalesca" teve o seu apogeu em Veneza no fim do século 18, pouco antes da cidade perder sua milenar independência.
Hoje um organizado comitê, no interesse da Associação dos Lojistas, sustenta essa tradição para o deleite do turismo conservador.
O samba do crioulo doido mexe-se aqui ao som da música barroca. E as fantasias têm atrevimentos proibidos no século 14, como os rostos pintados e máscaras.
Os casais que são vistos passeando saíram da "Commedia del L'Arte" do século 16. Os saltimbancos vêm do século 17. A única tradição que não se sustenta é a de atirar ovos podres em travestis, um "divertimento" do século 15...
Digamos que é um programa careta. Mas qual turismo em grupo consegue ser investigativo? Outros italianos evitam Veneza nesta época. Acham a comida dos restaurantes uma porcaria e os preços abusivos. Mas, comparados com os de São Paulo, parecem razoáveis.
Uma mesa no velho Caffé Florian, o mais disputado da Piazza San Marco, para se tomar dois tradicionais expressos e água mineral, custa menos de R$ 15. Um jantar com dois pratos, vinho e sobremesa sai a R$ 60 por casal.
"O Carnaval vai atrair os estrangeiros e os estrangeiros vão trazer dinheiro", concluía um artigo no "Corriere di Venezia" de 10 de janeiro de 1867, poucos meses depois de Veneza ser incorporada ao Reino da Itália, em 1866.
Aquele foi o ano em que o povo veneziano comemorou e resgatou na Piazza San Marco toda a miscelânia de tradições carnavalescas.
Este ano, oficialmente, o Carnaval veneziano dura 12 dias. Uma "Carta Carnevale", com acesso ou desconto a todas as atividades é vendida por cerca de R$ 20.
Inclui exposições de máscaras e fantasias, concurso de melhores travestis, acesso ao cassino, concertos em homenagem a Sarajevo, concurso das 10 melhores máscaras, "Concerti di Carnevale", peças de resgate de tradições populares e espetáculos da "Compagnia Del Ballo Antico".
A terça-feira do Carnaval veneziano termina com ritmo brasileiro na Piazza San Marco. A partir das 21h é anunciada a presença do grupo "Mitoka Samba" (?) e "Le Ragazze Ora Puro di Brasile". E a partir das 23h, uma "Festa Brasiliana". Que bom que termina em pizza e Carnaval, mas brasileiro.

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