São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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A municipalização do ITR

ANTONIO CABRERA

A reforma agrária é que deveria ser complementar à tributação rural
Simplificar a vida é talvez a arte suprema.
(Demócrito)
A implementação do Plano Real e a chegada do novo governo trouxeram à tona a necessidade das transformações estruturais que o país precisa para que a estabilização econômica e o fim da inflação se perpetuem.
Embora alguns rejeitem essas mudanças, deve-se esclarecer que somente a sua concretização nos trará o progresso. Assim, a reforma constitucional não é condição única para eliminar a nossa pobreza, mas é, sem dúvida, uma necessidade.
Nos últimos anos, o Brasil mudou velozmente de endereço, havendo um gigantesco êxodo do campo para a cidade, trazendo consigo e exibindo aos brasileiros do asfalto uma pobreza em escala sem precedentes. O que ocorreu com este enorme movimento de massa foi a transferência dos problemas do interior para as grandes metrópoles. E o que é pior, para uma sociedade tão carente de recursos, a solução de tais dificuldades seria bem mais barata se fosse aplicada no campo.
Como os cofres públicos não têm a abundância do coração de Deus, cada cidadão que mora numa cidade de 50 mil habitantes custa 7,4 vezes menos do que o mesmo cidadão numa cidade de 5 milhões de habitantes, de acordo com os dados do último Fórum Mundial de Cidades.
O presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o Brasil não é um país subdesenvolvido, é um país injusto. Talvez possa ser acrescentado que na realidade é subgovernado, pois o momento exige do governo posições claras e límpidas em relação a certos assuntos, como o combate à sonegação.
O emaranhado burocrático e as constantes alterações em nossa legislação tributária inflaram a sonegação a níveis injustificáveis. Neste aspecto, o poder dado ao Estado de tributar se legitima pelo uso do poder de gastar os recursos arrecadados.
O verdadeiro combate àqueles que não cumprem seu papel de pagar os impostos em dia ocorrerá no momento em que o governo fizer um acordo com a sociedade: não exibir apenas os músculos da punição, mas sim mostrar a função social destes tributos.
Na área rural, a situação não poderia ser diferente pois, com exceção daqueles que buscam na fraude tributária o enriquecimento fácil, a sonegação é o efeito, e a complicada e irreal tributação é a causa.
Num país onde a migração rural ocorre não pelo fascínio das grandes cidades, mas, sobretudo, pela expulsão do campo, são indefensáveis os baixíssimos índices de arrecadação registrados com o Imposto Territorial Rural (ITR).
Com a sua cobrança centralizada em Brasília e baseada em dados totalmente defasados, a nação reclama medidas urgentes para um imposto tão necessário economicamente e importante socialmente como o ITR.
Em verdade, a tributação progressiva da terra não deveria ser encarada como um simples complemento de reforma agrária. Ao contrário, a reforma agrária deveria, sim, ser complementar ao ITR.
Durante nossa gestão no Ministério da Agricultura, deixamos uma proposta ao Congresso Nacional no sentido de tornar a tributação fortemente progressiva sobre as terras improdutivas, de tal forma que o proprietário, em quatro anos, perderia simbolicamente a sua propriedade pelo imposto pago nesse período.
Além do mais, determinamos a transferência de cobrança do Incra para a Receita Federal, procurando dar mais agilidade ao processo, bem como deixamos por terminar um novo recadastramento rural que se tornaria a base de informações mais confiáveis na cobrança do ITR (o último recadastramento rural tinha sido feito em 1978).
Embora o nível de arrecadação tenha melhorado, o grande objetivo não foi complementado: a transferência do ITR para os municípios. Como se trata de um imposto cadastral, as informações do cenário local são essenciais para a sua efetiva cobrança, pois o irregular cadastro federal se mostra totalmente ineficaz na sua aplicação. Como a própria lei determina a elaboração de um novo cadastro rural a cada cinco anos, a cobrança do ITR pelas prefeituras praticamente atualizaria as informações de um censo rural a cada ano.
Para reforçar esta teoria, atualmente cerca de 70% dos municípios brasileiros são rurais, e, com certeza, estariam dispostos a usar sua estrutura nessa nova configuração tributária.
A agricultura nunca negou nem deixará de contribuir com significativa parcela na geração de recursos destinados a eliminar a pobreza e a miséria do seio da sociedade. E a passagem do ITR para a responsabilidade dos municípios vem ao encontro dos seus anseios, pois implicará uma vertiginosa simplificação na vida do produtor rural, hoje habituado a um ritual burocrático para cumprir suas obrigações de contribuinte, além de contar com um governo que tateia no escuro com uma política agrícola inadequada, devido à falta de informações sobre a estrutura fundiária.
Assim, ninguém melhor do que a comunidade local para cobrar e apresentar as contas à sociedade dos recursos ali mesmo arrecadados, pois, sem dúvida, o município saberá dar melhor destinação ao dinheiro proveniente do ITR do que o governo central, em Brasília.
Estamos, assim, estimulando as autoridades municipais, e a sociedade em geral, para a mudança na Constituição Federal do artigo 153, passando a responsabilidade do ITR aos municípios. Não há dúvida de que o poder local será mais eficiente na cobrança, bem como o seu cidadão e sua Câmara Municipal melhor verificarão a aplicação dos recursos do ITR.
Afinal, por que o campo teria de ser diferente da cidade? Alguém já imaginou o governo federal cobrando o IPTU?

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