São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Franceses querem Monarquia, diz conde

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

A família real francesa está longe de voltar ao poder, mas nem por isso permanece silenciosa. É o caso do príncipe Henri de France, 61, filho do conde de Paris, pretendente ao trono.
Ele escreveu um livro, Discurso ao Futuro Chefe de Estado, lançado no final do ano passado, como forma de influir na campanha presidencial.
No entanto, ele se queixa do boicote da imprensa francesa e nega a intenção de montar um partido monarquista para mudar o regime. Mas garante que 30% dos franceses querem a Monarquia.
Ele pertence à casa dos Orléans, descendente de Luís Felipe, último rei da França, de 1830 a 1848, e de Luís 13, rei de 1610 a 1643.
Henri, que assumiria o trono como Henrique 7º, criou o Centro de Estudos e Pesquisas sobre a França Contemporânea, que percorre o país explicando a Monarquia. A lei francesa só proíbe os Orléans de perturbar a ordem.
O príncipe, que morou no Brasil na infância (em 1939 e 1940, quando a família se exilou), é bisneto da princesa Isabel.
Por esse motivo, ele acompanhou com interesse o plebiscito sobre o sistema de governo, no Brasil, em 1993, e contesta a derrota da Monarquia. Leia a seguir a entrevista com o príncipe Henri.

Folha - Por que publicar um livro agora?
Henri de France - Eu decidira escrevê-lo há muito tempo. É um livro de reflexões sobre a França. Comecei a tomar notas há mais de três anos, encontrando pessoas, para conhecer os problemas da França. Depois achei que deveria resumi-las em um livro, pois 1995 é uma data importante e queria estar presente.
Folha - O que a lei francesa o proíbe de fazer?
Henri - Não estou proibido de escrever, nem de pensar. Por outro lado, tenho dificuldade para aparecer na imprensa. Os meios de comunicação, controlados pelo governo, criam-me certa dificuldade. Para falar na televisão, por exemplo. Isso é mais em Paris. Fora, não há nenhuma dificuldade.
Folha - O que achou do plebiscito sobre sistema de governo, em 93, no Brasil?
Henri - Acho que foi uma ótima idéia. Infelizmente, a democracia não permitiu a uma categoria de brasileiros votar. As pessoas que moram nas favelas, que trabalhavam nesse dia, teriam votado na Monarquia.
Folha - Por que a Monarquia sobreviveu em outros países da Europa e não na França?
Henri - Na França, há 30% que desejam o retorno da Monarquia. Ninguém diz isso. Ninguém quer saber, porque a casta que está no poder não quer abandonar o bolo. Há uma política que impede essa tomada de consciência.
Tenho certeza —e é meu trabalho atual— de que, se desenvolvermos essa tomada de consciência, mais cedo ou mais tarde a monarquia voltará à França.
Folha - Com um plebiscito?
Henri - A mesma coisa. Se não for fraudado, como no Brasil.
Folha - Como vê os problemas atuais da família real britânica?
Henri - Confunde-se a capacidade de um homem para governar com seu comportamento na vida privada. Pode-se ter um comportamento que alguns reprovam —e outros não— e ao mesmo tempo ser capaz de governar.
O príncipe Charles é um rapaz que ama a vida e, para mim, tem muita capacidade para governar. O que está acontecendo com ele é um acidente. Não é importante e não prejudica em nada a idéia real, tal como a concebo. É uma vontade de certos meios de comunicação de rebaixar a idéia real unicamente ao domínio privado.
Folha - O sr. acusa a Revolução Francesa de vários males. Não exagera um pouco ao dizer, por exemplo, que ela tirou das mulheres o direito de voto?
Henri - É um fato histórico. O sufrágio universal existia antes. Todo mundo podia votar na França (na verdade, a senhora de um feudo podia indicar um procurador para votar por ela nos Estados Gerais). Votava-se nos prefeitos, nos parlamentos regionais. Depois veio a Revolução e foi preciso esperar De Gaulle para que as mulheres pudessem votar e gerir seu dinheiro. A Revolução foi uma forma de regredir, pois tudo foi imaginado no plano ideológico, não na realidade.
Folha - Em seu livro, o sr. afirma que o analfabetismo era de 10% na França sob Luís 16 e é de 25% hoje. Em que o sr. baseia essa afirmação?
Henri - Na história, sempre. Um livro recente mostra as estatísticas. Antes da Revolução, apenas 10% não tinham passado pela escola. Hoje, a mesma estatística dá conta de 25% de iletrados.
Folha - O sr. pensa em se apoiar em um partido, como os monarquistas no Brasil?
Henri - A lei não me proíbe nada. Exceto de fazer a revolução e perturbar a ordem pública. Não tenho a menor intenção de fazê-lo.
Considero que, na minha ação, não devo me apoiar somente sobre um partido monarquista. Além disso, há partidos monarquistas de todas as tendências. Não quero reagrupá-los. Minha ação é fora dos partidos. A ação é muito mais serena se não se apóia sobre os partidos, mas nos franceses que têm vontade de mudar. Seria nefasto na hora atual.
Folha - O sr. sente o peso da história? Sente-se diferente das outras pessoas?
Henri - É verdade que o peso da história existe. Mas há duas maneiras de conceber sua vida: ou você a assume como ela é —e o peso desaparece— ou você se queixa e o peso é ainda maior. Escolhi a primeira solução.
Folha - A França seria diferente com a Monarquia?
Henri - Não faço esse tipo de jogo. A história é a história. Houve a Revolução, a República, outros reis, outras repúblicas. Não temos o direito de dizer vamos recomeçar tudo como antes. O que me importa é o amanhã. Houve coisas boas e ruins antes e depois de 1789. Recomeçar o julgamento de Luís 16 e Maria Antonieta não me interessa, nem tampouco, como se tenta agora, o da Segunda Guerra.
Folha - É verdade que, durante a Segunda Guerra, Charles de Gaulle deu a seu pai esperanças de uma restauração?
Henri - Não durante a guerra, mas anos 60. De 1959 a 1962, trabalhei na Secretaria Geral da Defesa Nacional. Via o general De Gaulle quase todos os dias. O que se diz é verdade, porque eu servia frequentemente de ligação entre ele e meu pai.
Folha - Na história, a França teve duas restaurações. Desta vez, a República veio para ficar?
Henri - Na Espanha, diziam que o franquismo viera para ficar. No Leste, diziam que o marxismo viera para ficar. Ficou provado que há momentos da história em que há modificações.

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