São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Modelo da China já começa a assustar

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há poucas semanas, em meio à crise mexicana, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Michel Camdessus, deixou escapar que esperava novas surpresas em outras economias emergentes. Foi prudente a ponto de não dar nomes, mas há vários bois voando por aí, nem sempre ao sul do Equador.
As economias asiáticas, por enquanto, parecem escapar quase imunes à onda de terror que abalou principalmente os mercados latino-americanos. Mas há motivos de sobra para que os investidores globais, mais ariscos e agora talvez mais atentos, comecem a desconfiar de cada uma das receitas consagradas de sucesso.
O milagre chinês é um sério candidato. De um lado cresce a incerteza política e econômica com o futuro de Hong Kong, que será incorporada à China comunista em 1997. De outro, o nervosismo com o próprio modelo chinês cresce a cada dia. Há, por exemplo, a consciência de que boa parte da expansão do modelo é fruto do prodigioso circuito financeiro chinês, que se espalha por quase toda a Ásia.
Para alguns observadores esse circuito é ao mesmo tempo uma rede de segurança e um elemento de risco e proteção contra a cultura empresarial ocidental.
Mas os principais problemas estão no continente. Nas últimas semanas a temperatura do conflito comercial com os EUA subiu vertiginosamente, envolvendo principalmente pirataria de software (isso inclui de programas de computador a livros, discos e marcas).
Há também motivos estritamente macroeconômicos para preocupação. A China vive em grande escala a mesma " benesse" que sustentou os programas de estabilização da América Latina nos últimos anos: a entrada massiva de capitais. O resultado não é diferente: pressões sobre a base monetária, valorização do "renminbi" e tendência do governo a restringir a entrada de capitais, enquanto estima-se que pelo menos 40% das empresas estatais continuem operando no vermelho.
Já está em vigor um sistema de centralização cambial que impõe uma maratona burocrática aos empresários estrangeiros interessados em converter moeda estrangeira em moeda local.
O resultado é paradoxal: o governo chinês, como o brasileiro em 1994, nada em reservas internacionais mas se vê obrigado a criar restrições de crédito numa economia cuja dívida total excede os US$ 100 bilhões.
O fato objetivo, que talvez possa em breve favorecer a percepção do " risco Brasil", é que mesmo o pólo asiático não está isento de problemas e dúvidas. Afinal, nos últimos anos falou-se quase tanto em milagre chinês quanto em milagre mexicano.
Dificilmente haverá um colapso da mesma magnitude em Pequim, mas o "risco China" sem dúvida está crescendo, especialmente quando se leva em conta ainda a morte do líder máximo Deng Xiaoping, que se considera iminente. A transição política talvez seja turbulenta.
O programa aeroespacial chinês sofreu há pouco um revés com a explosão de um satélite logo após o lançamento. Segundo editorial da Far Eastern Economic Review, o sistema econômico chinês pode ser ainda mais arriscado.

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