São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Vida longa para o real

ROSEANA SARNEY

Tenho acompanhado atentamente as discussões sobre os perigos que o nosso Plano Real corre em virtude dos desdobramentos da crise financeira do México e dos seus impactos sobre os chamados mercados emergentes, em particular o da Argentina.
A análise dos especialistas tem enfatizado as semelhanças de concepção entre os programas de estabilização adotados pelos três países: para domar surtos quase hiperinflacionários decorrentes de desequilíbrios originados na crise da dívida externa —e nos esforços para contorná-la— todos adotaram o câmbio como a variável-chave da estratégia de estabilização. Isto implicou —ainda que em formatos diferenciados em cada país— uma valorização da moeda doméstica em relação à estrangeira, reduzindo assim o saldo da balança comercial, gerando déficits em transações correntes no balanço de pagamentos.
O sucesso dessa tática no curto prazo depende fundamentalmente da robustez das contas externas do país (inclusive o nível de reservas internacionais) e da disponibilidade de poupança externa para financiar esses déficits. E tanto melhor se o financiamento ocorre mediante o influxo de capitais de longo prazo (como investimentos diretos); neste caso, minimiza-se a exposição do país às eventuais intempéries da economia mundial. A experiência mostra que o financiamento de déficits com capitais de curto prazo submete o país a um risco permanente. São milhões de dólares de fluxo diário que entram e saem e a qualquer momento podem mais sair do que entrar.
Mas é neste ponto que as situações do México e da Argentina distinguem-se de forma significativa da nossa. Os dois países abusaram da utilização de capitais de curto prazo para o financiamento de seus déficits, sendo mais grave o caso mexicano pelo fato de a perspectiva ser de deterioração crescente de seu desequilíbrio externo. Enquanto isso, o programa brasileiro foi deslanchado em cenário de contas externas superajustadas: dívida externa (bem) renegociada, reservas altíssimas, saldo comercial expressivo, equilíbrio em conta corrente. Ademais, pelo fato do nosso programa ter só pouco mais de sete meses de vida —enquanto o mexicano já dura mais de seis anos e o argentino quase quatro— estamos ainda em condições favoráveis para promover ajustes porventura necessários.
No longo prazo, porém, não podemos depender apenas das contas externas como âncora da estabilidade da moeda nacional. É preciso, com urgência, recolocarmos essa discussão em seu devido eixo e voltarmos nossas preocupações para aquilo que é realmente importante hoje, sob pena de, mais uma vez, jogarmos fora todo o esforço já realizado pela sociedade.
A sustentação do Plano Real depende de reformas profundas a serem promovidas na organização política e econômica do Estado e da sociedade brasileira. Para que o nosso crescimento econômico seja durável, precisamos criar estímulos à poupança interna; mesmo que haja choro e ranger de dentes, é imperioso que alcancemos imediatamente o equilíbrio fiscal nas contas públicas, não só da União, mas também —e principalmente— dos Estados e municípios.
A experiência destes meses de estabilidade de preços vem mostrando que é possível sonhar com um cenário sem inflação, que garanta horizontes mínimos para o investimento, a geração de empregos e o bem-estar de seus cidadãos. Se o governo federal cumprir a sua função constitucional —talvez a maior de todas, de guardião da moeda—, a sociedade será capaz de realizar a grande obra rumo ao progresso econômico, social e cultural. Iniciaremos então a longa marcha que nos trará de volta o orgulho de sermos nós mesmos os empreendedores do nosso futuro. Justo futuro, que será fruto do nosso trabalho.
Presidente, ninguém melhor que seu iniciador para fazer os ajustes para a longevidade do Plano Real. Exerça sua liderança, convoque seus aliados para essa grandiosa tarefa, faça tudo o que for necessário para alcançar esse objetivo.
Aprovada a lei de concessões dos serviços públicos, acelerado o processo de privatização, é urgente procedermos de forma decidida à reforma constitucional. Ela precisa abranger os temas que já são consensuais e que todos queremos ver mudar: os títulos "Da Tributação e do Orçamento", "Da Ordem Econômica e Financeira", "Da Ordem Social", notadamente as seções 1 e 3 do capítulo 2 ("Da Seguridade Social" e "Da Previdência Social"). Ademais, é preciso realizar uma verdadeira reforma política, com a regulamentação do uso da Medida Provisória, da fidelidade partidária e do voto distrital misto.
Para cada um dos temas acima relacionados, o meu partido —o PFL— oferece uma contribuição, com posição moderna e democrática já definida. Este é o momento. Mãos à obra, presidente.

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