São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Bomba-relógio

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Exércitos se enfrentam em nome da 'correção política', nhenhenhém neoliberal
para significar caretice, moral e bons costumes

Jake Baker escreve histórias de sexo pesado. Suas fantasias correm o mundo pela Internet, na conferência alt.sex.stories. Lê quem quer, não sem antes passar por avisos sobre o conteúdo dos textos. Jake Baker não é o único: alt.sex.stories reúne farto material do ramo —é uma feira eletrônica para quem gosta de consumir e escrever histórias do gênero.
Jake Baker chama-se, na verdade, Abraham Jacob Alkhabaz. Tem 20 anos, foi expulso da Universidade de Michigan, EUA, e preso em Detroit, sem direito a fiança. Cometeu um crime muito estranho: deu o nome de uma colega de faculdade para a personagem de uma de suas histórias de sexo e violência. "Pamela's Ordeals" é o título da peça que, segundo os conhecedores do "estilo" do autor, não passa de um amontoado de perversões em péssima literatura.
Jake Baker —que nunca se aproximou da moça— é, nas palavras do juiz que respondeu pela prisão, uma "bomba-relógio, esperando apenas o momento de explodir". Deve, portanto, ser afastado do convívio com a sociedade. Feministas fazem coro. Cana para o Carlos Zéfiro multimídia.
Bem. Os russos realmente estão fazendo falta. Mesmo quem pensava que o pânico da invasão vermelha era uma paranóia grotesca dos colegas do norte há de concordar que a loucura estava, ao menos, mais ordenada, menos dispersa —e era até útil para o equilíbrio geopolítico do planeta.
Parece que, sem os russos, a energia delirante dos Estados Unidos foi liberada, tornou-se uma força descontrolada, solta, em busca de objetos para se materializar. Primeiro foi a cocaína. Mobilizaram soldados, armamentos, criaram a "war on drugs", raptaram o presidente do Panamá e o levaram a um tribunal. Não emplacou. Americanos têm dinheiro e querem consumir. E os lords da droga cumprem o papel de fornecer. Lei de mercado, como eles conhecem muito bem.
Depois, foram os árabes —que já há algum tempo ocupavam as atenções de Tio Sam. Saddam Husseim serviu para que redescobrissem sua brincadeira predileta: guerrear. Mas não deu nem para a saída. Ainda nesse capítulo, tentaram África e Haiti —o que, convenhamos, foi pífio.
Mas tudo leva a crer que, aos poucos, os americanos vão encontrando o lugar certo de colocar a loucura: o perigo mora ao lado, todos dormem com o inimigo. Nesta guerra interna, exércitos bem delimitados se enfrentam em nome da "correção política", nhenhenhém neoliberal para significar caretice, moral e bons costumes: pau nos fumantes, pau nos consumidores de droga, pau na linguagem "incorreta" e, last, but not least, pau no pau.
Jake Baker, até prova em contrário, é uma vítima dessa farsa puritana, que vai ganhando contornos fascistas: um texto ficcional leva "cybercops" do FBI a investigar o autor, considerá-lo "perturbado" e obter sua prisão. Afinal, quem é a bomba-relógio esperando a hora certa para explodir?

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