São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 1995
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Luz atrás da lente

—Em recente exposição, o sr. fez uma parede só com fotos da Guerra do Vietnã. Por quê? —Não sei. Na verdade, não me agrada ver o sofrimento humano como uma obra de arte. Os horrores de Ruanda ou da Bósnia, vistos na TV, correm o risco de virar divertimento, como a violência anestesiante dos filmes de Hollywood. —Não há estética na violência, então? —Eu li sobre um filho de Mussolini que era piloto e bombardeou a Etiópia. Ele dizia que as bombas, vistas do alto, eram tão belas que pareciam flores se abrindo. Há algo de obsceno na violência quando transformada em fato estético. —Quem falta na sua galeria de fotos? Políticos, talvez? —Não sei... Talvez o papa, seria divertido. Já fotografei de tudo, dos poderosos às pessoas comuns. Agora estou diante de uma parede branca, procurando novos caminhos. —Seus pais (um lojista e uma escultora) o influenciaram? —Eu puxei a ambos. Até os 21 anos engoli os dois e ainda os estou cuspindo fora. Ao meu pai devo a parte comercial do meu trabalho. À minha mãe, o lado político, humanista, artístico. —Que relação há entre o Avedon do Calendário Pirelli e aquele das reportagens cruas sobre os Estados Unidos? —É simples. As fotografias publicitárias, de moda, são aquelas que me dão sustento. Elas me permitem fazer o resto do meu trabalho, aquilo que mais amo. Nos 20 anos que trabalhei para a revista "Harper's Bazaar", nunca comprometi os meus ideais. —Ter crescido entre mulheres aumentou sua sensibilidade? —Quando menino, espiei muitas vezes minha mãe, minha irmã, minha prima se trocando. Como elas se preocupavam com seu aspecto, com as roupas, com os enfeites! Foi então que entendi a complicada relação entre as mulheres e o que elas querem parecer. A moda é inseparável do mundo, é o nosso modo de viver. Sabe o que dizia T.S. Eliot? Que preparamos um rosto para encontrar outros rostos. —O sr. chegou à fotografia através da literatura? —Na infância eu li muitíssimo. "As Viagens de Gulliver", "Alice no País das Maravilhas", nestas páginas elaborei minha visão de mundo, antes mesmo de conhecê-lo. Queria ser escritor, poeta. Eu devorava Proust, Dostoiévski, Kafka, romances que exploram a psique humana. Fotografar era só um hobby. —Quando o sr. descobriu sua real vocação? —No serviço militar, comecei a tirar fotos de meus colegas. Então, percebi: o que me interessava eram as pessoas, a linguagem do corpo, a geografia emocional de uma face. —Há muitas histórias sobre suas fotos... —Cada foto é um encontro, uma história. Anna Magnani, depois de me fazer esperar uma hora, apareceu com um vestido de noite de tafetá, a face amarrotada pelo travesseiro. 'Quer que eu seja eu mesma ou outra qualquer?', perguntou. 'Você mesma', respondi. E ela explodiu em sua risada de mulher do povo. Já Charlie Chaplin, após alguns primeiros planos, disse: 'Posso ajudá-lo?'. E se aproximou da objetiva bufando, com os dois dedos indicadores sobre a testa, como dois chifres. —E os políticos? —São os mais duros. Henry Kissinger, por exemplo: uma esfinge. Marmóreo, impenetrável. Antes de posar, recomendou: 'Seja gentil comigo'. O que será que ele quis dizer? Alguém como ele entende de manipulação como ninguém. O fato de estar preocupado em ser manipulado por mim me espantava. Talvez quisesse parecer mais esbelto, mais jovem, mais alto. —E as modelos? São mulheres-objeto ou têm vida interior? —Não se pode generalizar. Nem sempre é verdade que sob a superfície não há nada. A habilidade do fotógrafo de moda está justamente em trazer à tona a mulher que está atrás da modelo. —Dá para fazer foto artística com uma máquina automática? —Não é a máquina que conta, mas a mente que está atrás dela. Eis o segredo: antes de comprar máquinas sofisticadas e caras, aprendamos a usar a fantasia.

DA REVISTA "SETTE", DO JORNAL "CORRIERE DELA SERA"/TRADUÇÃO ANASTASIA CAMPANERU

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