São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
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Alencar diz combater crime de olho nos investimentos

AZIZ FILHO; FERNANDA GODOY

Folha - O convênio do governo do Rio com as Forças Armadas para combater a criminalidade vence sexta-feira. O sr. estuda a renovação em novos termos?
Alencar - Podemos sofisticar o convênio, amarrá-lo melhor. Há um entendimento de que as Forças Armadas estarão sempre disponíveis por uma obrigação constitucional, uma implícita obrigação de todas as instituições que zelam pela segurança nacional, de apoiar as emergências dos Estados.
Toda vez que eu precisar das Forças Armadas para me apoiar nessas emergências, já está dito pelo presidente e pelo ministro do Exército, que eles estarão com uma disposição de atender.
Folha - Essa presença constante dos militares nas ruas não pode banalizar ou desvirtuar o papel das Forças Armadas?
Alencar - Claro que pode. O que eles não querem e eu compreendo é banalizar, destituir as Forças Armadas de sua função. É preciso que o povo não confunda Forças Armadas com polícia. Elas não se preparam, não querem e não devem ser polícia.
Folha - Se o Exército ficar nas ruas, o sr. não teme que os criminosos percam o medo das Forças Armadas?
Alencar - Não. A bandidagem terá sempre receio do Estado. O que existe é o início de uma anomia, a organização mediante outra escala de valores. É o que está acontecendo nas comunidades carentes. Veja esta história: um ônibus foi assaltado por três pivetes perto do morro dona Marta, em Botafogo. Uma das vítimas, que morava no morro, não foi à polícia, mas ao traficante. O traficante chamou os três pivetes, devolveu o relógio e ainda deu um tiro na mão de cada um como punição.
Isso é uma nova disciplina, que nunca pode dar certo porque este marginal e a escala de valores que ele constrói não têm assento em fontes da moral, da ética. Não é honesto difundir a idéia de que nas grandes cidades do mundo inteiro, a exemplo do Rio e São Paulo, a violência vai acabar se houver uma boa polícia. Não há essa possibilidade. É um fenômeno que desafia a ciência e tudo o mais.
Folha - O sr. disse que a violência é um problema das megacidades e falou que a violência não é só um problema policial, mas social. Esse não é o discurso brizolista, que o sr. atacou?
Alencar - Não. Acho que o Nilo Batista (ex-governador do Rio) teve a visão correta de arguir esses fatores todos. O que eu criticava era a generalidade do descaso administrativo, eles (Brizola e Nilo Batista) deixarem a polícia à revelia de uma proteção, o arrocho nos salários dos servidores da polícia, o estado das delegacias públicas.
Reclamei que o Brizola desmoralizava a polícia, dizendo que o helicóptero não podia sair sem ordem dele, essas coisas. Reclamei da incompetência dele para estar presente, administrando as dificuldades. Minha discordância era do ponto de vista administrativo. Não vou ter a mesma polícia do Brizola. Ela será diferente. Em São Paulo existem tantas ou mais modalidades de crime do que no Rio, mas lá o povo não está sentindo as mesmas angústias. Lá o povo sabe que tem uma polícia, que às vezes é criticada até por ser dura demais. Aqui se criou no espírito do carioca que se deve ter mais medo da polícia do que do bandido.
Folha - O sr. não acha que a solução do problema da segurança é necessária para a retomada do crescimento no Rio?
Alencar - Aí eu penso no ovo e na galinha. Acho que o desenvolvimento vai apagar essa nódoa, contribuir para diminuir a criminalidade. Vamos depender da coragem dos investidores, dos empresários. Eles têm de confiar em mim aqui, que eu não estou vacilando em combater o crime.
Uma das coisas que atrapalharam o governo do Brizola foi que a sociedade ficou achando que o Brizola não queria combater o crime. Não é verdade também e eu não chego a dizer que o Brizola fazia a apologia do crime. Quero que a sociedade confie em mim, que eu sou um governador contra o crime, que eu vou combater o crime com todas as minhas forças, inclusive trazendo a articulação da sociedade para este combate. Vou bater no crime seguramente.
Folha - É a sua prioridade?
Alencar - Hoje é, do ponto de vista da emergência. Do ponto de vista dos investimentos, eles estão vindo. Estão encorajados porque estão acreditando que vamos combater. O desenvolvimento do nosso Estado vai combater a vulgarização do crime. Vai haver muito menor clima de injustiça social, menos desemprego. A informalidade vai ser formalizada. As atividades vão ser dinamizadas. Isso é um fator para diminuir o crime.
Folha - Os indicadores do IBGE mostram que a economia do Rio está voltando a crescer. O que seu governo vai fazer para alavancar o crescimento?
Alencar - O Rio tem uma história de prejuízos excessivos, em função da perda de sua identidade como capital e como Estado. Mas pesaram também a má direção administrativa e política.
Os projetos do Rio não são de nosso interesse exclusivo. Todos os projetos do Rio têm espírito nacional. O Rio é o Estado-elo do país. As lideranças que passaram por aqui falando mal de São Paulo, brigando com Minas, numa competição pequena, não sabiam compreender que o Rio, para crescer, não precisa nem deve brigar com nenhuma unidade federativa.
Vamos crescer colocando nossos projetos como projetos nacionais. O Rio está geopoliticamente muito bem colocado, é um Estado de serviços, que é a atividade do mundo moderno e vai se concentrar aqui. É a hora do Rio.
Folha - Com o enfraquecimento do brizolismo, que era hegemônico no Estado, as forças políticas se pulverizaram. O sr. acha possível que o PSDB ou o marcellismo ocupe esse espaço?
Alencar - Se o brizolismo acabou como acabou, muito menos o marcellismo teria corpo para se constituir em uma doutrina política. O fato de termos um conceito eleitoral e liderança política é outra coisa. Nunca vou me colocar na linha de criar um grupo de seguidores de minhas idéias, mesmo porque não sistematizei idéias, não tenho um corpo de doutrina meu para dizer "isto é o marcellismo".
Folha - Mas já existe a expressão "marcellismo".
Alencar - Isso existe, mas são corruptelas do processo político. Os "ismos" estão em decadência, essa é a realidade de hoje. Tudo isso está se apagando, é um fenômeno do nosso tempo. Não vejo mais como os "ismos" terem sucesso.
A decadência do PDT foi se fixar muito numa expressão populista vulgar, não um populismo que em outros lugares foi berço de idéias socialistas generosas, mas uma coisa vulgar. Eu expressava o lado positivo do PDT, esta é a verdade nua e crua. Eu dava um lado positivo, eu, o Lerner, alguns de nós. Fomos exatamente os discriminados, entramos em rota de colisão com o "ismo", o brizolismo.

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