São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 1995
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Até PFL já admite a 'reforma possível'

VALDO CRUZ ; RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O líder do governo no Senado, Élcio Álvares (PFL-ES), disse à Folha que o presidente Fernando Henrique Cardoso está propondo ao Congresso Nacional a reforma constitucional "possível".
O senador criticou os parlamentares que não compreendem que "alguns pontos políticos são nocivos" ao país, ao comentar o recuo do governo na proposta de reforma tributária.
As pressões de governadores e prefeitos levaram a equipe de FHC a desistir de mexer na divisão do bolo tributário e de propor uma mudança ampla no sistema tributário, fazendo o governo optar pela reforma possível.
Élcio Álvares admite que até no seu partido, considerado um dos mais afinados com FHC, existem divergências em relação às propostas enviadas pelo governo.
"Alguns colegas já disseram que encontram dificuldades em se colocar a favor de determinada medida, por causa de um pensamento histórico", disse, citando o senador Josaphat Marinho, contrário à flexibilização do monopólio do petróleo.
O pefelista diz que o apoio do PFL ao governo não pressupõe a ausência de crítica, ao analisar as declarações do senador Antônio Carlos Magalhães contra ministros de FHC.

Folha - O PSDB criticou o PMDB e o PFL na disputa pelas comissões do Congresso. Isso pode prejudicar a base governista?
Élcio Álvares - Isso tem de ser analisada sob dois aspectos. Um, partidário, onde os partidos buscam seu espaço político.
Naturalmente, o PFL e o PMDB entendem que sendo as maiores bancadas terão uma proporcionalidade maior. E, com esse critério, o PSDB tem direito só a uma comissão no Senado. Isto provocou uma reação natural do PSDB.
O segundo aspecto, que é o que nos interessa, é o de apoio ao governo. O episódio não tira, de maneira nenhuma, apoio do governo. Apesar da manifestação do PSDB, o apoio não vai ter problemas.
Folha - O sr. não acha que os outros partidos estão isolando o PSDB dentro do Congresso?
Álvares - O PSDB é um partido importante. Qualquer política visando ajudar o governo nas reformas tem de ser de integração.
O presidente tem dito que não se preocupa com uma maioria governista, mas com uma maioria reformista. Enquanto o mundo for mundo, enquanto o Senado for Senado, vai existir insatisfação.
Folha - O sr. fala em integração dos partidos. Só que no PFL, o senador Antônio Carlos Magalhães, não poupa críticas ao governo?
Álvares - A minha visão é democrática. O fato de apoiar o governo não pressupõe a ausência de crítica. A crítica é um exercício democrático. E, inegavelmente, Antônio Carlos Magalhães tem um espaço privilegiado na política brasileira.
Mas a crítica não pode ser examinada como um fato isolado. E a manifestação do senador é de compreensão com as reformas. Como o presidente falou que quer uma maioria reformista, como líder do governo preciso olhar se o senador apóia ou não as reformas.
E o PFL tem uma tradição de respeitar as posições de seus integrantes. Eu conheço casos isolados de integrantes da bancada que, em virtude da proposta de quebra de monopólios do petróleo, já se manifestaram comigo: "Olha, isso infelizmente eu não vou votar".
Folha - Então, até dentro do PFL, tido como um dos partidos mais liberais do Congresso, existem posições contrárias à quebra de monopólios.
Álvares - As medidas enviadas pelo governo ao Congresso, no campo das telecomunicações, do petróleo, vão suscitar uma relativa polêmica. Então, o que eu quero adiantar é que alguns colegas nossos já disseram que encontram dificuldades em se colocar a favor de uma determinada medida, por causa de um pensamento histórico, uma tradição de vida.
Folha - É o caso do senador Josaphat Marinho?
Álvares - É. O senador Josaphat, que é um parlamentar da mais alta importância.
Folha - O PFL não vai votar fechado nas reformas?
Álvares - Eu estou dizendo, como integrante do partido, que o PFL sempre foi muito condescendente com alguém que diverge.
Folha - Por pressões de governadores e prefeitos, o governo recuou e não vai propor uma ampla reforma tributária. Desistiu até de mexer na divisão do bolo tributário. Isso não pode prejudicar o próprio governo?
Álvares - Nós não podemos ficar insensíveis —e aí eu me coloco como governo— às preocupações dos governadores e prefeitos.
Eu conversei com o prefeito Paulo Hartung (PSDB), de Vitória. Ele liderou um grupo de prefeitos que veio conversar com o Pedro Malan (ministro da Fazenda), exatamente para externar o seu temor com possíveis perdas.
Eu acho que temos de examinar alguns aspectos técnicos, relativamente ligados a aspectos políticos.
Mas, honestamente, eu acho que vamos chegar a um ponto em que vai prevalecer o bom senso de que toda esta problemática na área econômica não vai poder ficar ao sabor de grupos ou de segmentos.
Eu aponto na Constituição de 88 um tratamento absolutamente desigual entre União, Estados e municípios. E aí está o resultado. O presidente Sarney disse uma vez que a Constituição de 88 iria levar o país à ingovernabilidade.
Eu não vou radicalizar, com a ênfase desta expressão, mas como membro do governo Itamar, participando ativamente da equipe econômica, percebi claramente que da forma como está fica muito difícil a União manter o equilíbrio.
Folha - Então, houve recuo.
Álvares - Não. O que há é um debate e o governo tem que ter sensibilidade. Porque, uma é coisa inegável, tudo isso passa pelo Congresso. Esse Congresso é formado de forças políticas.
Então, qual é o grande desafio do governo? Compreender aquilo que é possível de ser aprovado. Mandar algo que você sabe que é possível de ser aprovada...
Folha - As mudanças na proposta governista mostram que os políticos não estão totalmente favoráveis a reformas que mexam com suas bases eleitorais?
Álvares - Eu gostaria de deixar isso muito claro, porque esta parte da política tributária tem alguns envolvimentos técnicos.
Envolvimentos que talvez a parte política não tenha a sensibilidade de compreender que o que é bom para o país é o lado técnico. E que alguns pontos políticos são nocivos ao plano de estabilização.
Folha - Então, a área política ainda não entendeu isso?
Álvares - Olha, o presidente Fernando Henrique está dando um passo à frente muito grande.
Eu sou político, fui ministro eventualmente. Veja o raciocínio tático do político: em primeiro lugar está o município. Nós vimos isso na Carta de 88. A primeira preocupação era agradar o prefeito, que sustenta o deputado.
O deputado, que tem o apoio de vários segmentos, briga com todo mundo mas não com o prefeito.
Folha - Não falta ao governo uma tática de convencimento sobre a necessidade de mudanças?
Álvares - O governo está fazendo isso.
Folha - Mas então ainda não conseguiu convencer...
Álvares - Nós vamos saber se o governo convenceu ou não depois da votação.
Folha - E o problema da distribuição de cargos? Partidos como PP e PL reclamam que estão apoiando mas não participam do governo? Isto não pode prejudicar as votações das emendas constitucionais?
Álvares - Não examino sob o aspecto de cargos. Vou usar uma outra expressão: ocupação dos espaços políticos. Porque essa parte que dá a idéia de fisiologismo...
Folha - Mas, na prática, não é fisiologismo?
Álvares - Acho que é ocupação de espaço político. E por que é isso? Se nós temos um representante do PMDB no Acre, sem ter a probidade e a competência que o presidente tem deixado claro serem necessárias para ocupar cargos, nós podemos encontrar um denominador comum nestas indicações.

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