São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 1995
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México ou méxico

SHIGEAKI UEKI

Não tenho direito de dizer "acorde, México", mas sinto a obrigação de gritar "acorde, Brasil".
Quando, na década de 60, fui consultor da Organização dos Estados Americanos, em Washington, pude acompanhar de perto o programa "Aliança para o Progresso".
Um dos projetos aprovados objetivava a modernização da agricultura dos países latino-americanos. Resumidamente, consistia na venda de excedentes agrícolas dos Estados Unidos aos governos latino-americanos em moedas locais, a longo prazo, isto é, uma quase doação.
O fundo proveniente da revenda desses produtos, principalmente trigo e óleos vegetais, foi destinado ao financiamento de investimentos no setor agrícola.
Quem podia ser contra esse ato de generosidade norte-americana? Ninguém. Mas qual foi o resultado? Surpreendentemente, um grande desastre. Os governos beneficiados, em geral com propósitos demagógicos, revenderam esses produtos a preços baixos. Alguns até o tivessem feito com propósitos humanitários, visando ajudar os pobres, posição paternalista que, excetuadas as situações emergenciais, é contraproducente.
Com isso, o trigo e derivados, por serem mais baratos, começaram a substituir o milho, o arroz, a batata etc., que os pequenos, médios e grandes produtores latino-americanos tradicionalmente produziam. E assim, bem ou mal organizada, a secular estrutura de produção e mercado que existia foi destruída. Desaparecido o mercado, os tratores importados dos Estados Unidos pelos produtores foram utilizados, na melhor das hipóteses, como um estranho e caríssimo meio de transporte para passageiros.
Abrindo um parêntese, no Nordeste, quando se executam programas de distribuição de alimentos, agrava-se a situação dos produtores de leite, milho, feijão etc., dos criadores de cabra, dos pescadores, que ficam impossibilitados de concorrer com essas medidas demagógicas. Tais programas, a meu ver, desestruturaram o mercado e causaram excessiva concentração urbana, com os consequentes desajustes sociais.
O bem-intencionado programa "Aliança para o Progresso" provocou êxodo rural, crescimento das favelas e inchaço do setor público, levando ao desespero milhões de pessoas. Se querem doar alimentos ou capitais permanentemente, esses programas de ajuda fazem sentido. Mas, se forem temporários, é melhor que não o façam. É lógico que não podemos deixar de ser solidários nos casos de enchentes, terremotos, secas inesperadamente prolongadas. Mas, qualquer que seja a situação de pobreza, é muito mais importante ensinar a produzir do que doar.
O programa da "Aliança para o Progresso" apresenta uma certa analogia com a recente ajuda financeira internacional ao México. E, no caso presente, essa ajuda interessa muito mais aos credores que especularam com juros de agiota, cientes, pois, de que estavam assumindo altos riscos.
Os mexicanos mantiveram o peso sobrevalorizado, deixaram de produzir para importar, deixaram de poupar, de investir, enfim, agiram como se o financiamento externo e de baixo custo fosse infinito, semelhantemente ao que aconteceu com o programa "Aliança para o Progresso".
O trabalho e a produção ainda constituem o melhor caminho. Uma vez que o México não pode imprimir dólares, ienes ou marcos, o único jeito é produzir petróleo, milho, trigo, etc, para sobreviver e prosperar.
Comer, vestir-se, passear eternamente com dinheiro de terceiros é impossível.
O Brasil parece seguir o mesmo caminho do México. Acorde, Brasil, para não despertar com "b" minúsculo.

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