São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 1995
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África do Sul faz Bienal pós-apartheid

KATIA CANTON
ENVIADA ESPECIAL A JOHANNESBURGO

A Bienal de Johannesburgo só será inaugurada oficialmente hoje, às 18h, mas desde já a iniciativa é transformada em polêmica. Afinal, essa Bienal tem contornos muito particulares. Um evento tradicionalmente elitista, carimbado pela sofisticação da arte ocidental, desta vez é maciçamente representado por artistas que estão fora dessa esfera. Entre os 409 artistas participantes, 161 são brancos e 248, negros.
"O mundo mudou e, por isso, a arte e as Bienais também estão mudando", argumenta o diretor da Bienal, Christopher Till. "Na nova ordem, cabem expressões artísticas variadas, e é justamente essa variedade que tentamos estabelecer aqui."
Neste caso, a predominância de artistas negros responde a uma fidelidade contextual. Pela primeira vez na história da África do Sul, brancos são percebidos de fato como minoria.
"Nasci e cresci num país rígido, com uma sociedade fixada sobre bases falsas. Agora que a realidade está mudando, temos que deixar tudo que aprendemos para trás e recomeçar do nada. Esta Bienal pode até se tornar um fracasso, mas é um ponto de partida. Temos que estabelecer novas redes artístico-culturais, colocar África, Ásia e América Latina finalmente no mapa", diz Lorna Ferguson, coordenadora da Bienal.
Esse "remédio social" teórico, na prática, pode causar efeitos colaterais desagradáveis. Pois a verdade é que entre a produção artística de Gana, Chile, Alemanha e Irã há hiatos quase intransponíveis. A proposta de apresentar 61 países, sem hierarquias de importância estética ou interferência da curadoria internacional, resulta num patchwork estético dos mais desiguais.
Trata-se de uma Bienal gangorra. Feita de altos e baixos.
Os baixos têm a ver com o despreparo de alguns países, que, repentinamente, se viram obrigados a criar curadorias próprias para a Bienal, sem saber como nem por onde. Na categoria estão representantes africanos como Gana, Zimbábue, Uganda, Tanzânia, que ficaram indecisos entre mostrar sua exuberante arte popular e ensaiar instalações e obras abstratas que pudessem ter mais apelo ocidental. A Namíbia soube trabalhar melhor esse paradoxo, exibindo pinturas despretensiosas, figurativas e originais, dos artistas Trudi Dicks e Walter Amadhila.
Os altos da Bienal estão nas surpresas. A melhor delas é a representação de Angola. O curador do país, Adriano Mixinge, soube tirar partido do clima político da Bienal e convidou artistas que trabalham com instalações provocativas, relacionadas à invasão de Angola pela África do Sul, em 1975.
O angolano Fernando Alvim, estrela dessa Bienal, assediado pela mídia internacional por suas obras despudoradas, é a melhor síntese da arte daquele país. Alvim trabalha com poemas, ossos, imagens surpreendentemente sobrepostas que incitam à reflexão sobre a guerra. O furor que o artista está causando —ele está em vários jornais internacionais, entre eles o "The Star" sul-africano e o "The Guardian" inglês— parece acenar a vitória da arte política.
Outra grande surpresa é a curadoria da Reunión, ilha de protetorado francês que fica entre Madagascar e as Ilhas Maurícios. O curador Marcel Tassé trabalhou com o "multiculturalismo natural" de Reunión e apresentou obras de fôlego. Em seu espaço, convivem lado a lado instalações do marroquino Mohamed el Baz, que lidam com dinheiro e materialismo, e obras delicadas de Erik Samak, autor de uma "pedra cantante".

A jornalista KATIA CANTON viaja a convite da South African Airways

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