São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 1995
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'Glauber virou uma estátua que falava'

DO ENVIADO ESPECIAL

Abaixo, a continuação da entrevista com o cineasta Walter Lima Jr.
*
Folha - E como você vê o caso do Lima Barreto?
Lima Jr. - O Lima Barreto não fez o cinema dele porque ele mesmo dificultou. Como o Glauber também não fez um cinema melhor para ele mesmo porque virou uma estátua que falava, prisioneiro de si mesmo.
Veja o caso de "O Dragão da Maldade". O roteiro é uma obra-prima, o filme não é. Ele não soube contar aquela história. Ficava depois na porta do cinema perguntando aos espectadores: o que é que você entendeu do filme? O cara contava uma história inteiramente diferente, ele dava uma gargalhada. Mas, então, por que perguntava?
Folha - Teu discurso te coloca numa posição muito solitária?
Lima Jr. - Total, total. Quando a Embrafilme acabou, eu fiz um artigo festejando o fim da Embrafilme e lembrando a existência do Tambellini. Todo mundo torceu a cara. Mas à boca pequena falavam o contrário e hoje em dia estão fazendo isso.
Folha - Ou seja, age-se menos pelo que se pensa do que por estratégias políticas.
Lima Jr. - Exatamente. Você diz: "Ah! Vai sair um financiamento agora, não é bom falar isso" e não sei o quê.
A gente precisa se livrar desse discurso fisiológico. Só a Globo mandou para o lixo US$ 16 milhões no ano passado porque não sabia como se associar. Está errado isso. Olha só a maneira de querer proteger: dificultando a existência da integração do cara com a cinematografia.
Folha - A partir dos anos 80, você se voltou para uma espécie de reescrita do cinema brasileiro. Como chegou a isso?
Lima Jr. - Não pensei "eu vou fazer isso". Fui levado. Soube pelo jornal que o Lima Barreto estava internado num hospital, como indigente. Fui a São Paulo, falei que os roteiros dele deviam ser publicados. E li os roteiros. Ora, as idéias eram ótimas. Entre eles, estava "Inocência", que tinha sido premiado pelo Instituto Nacional do Livro. O prêmio era a realização do filme.
Folha - Mas ele nunca fez.
Lima Jr. - Ele era tão maluco que resolveu fazer o filme em esperanto. Quer dizer, ele não queria fazer o filme. E descobri que o Humberto Mauro também queria ter feito "Inocência", que não ter feito era sua grande mágoa com o cinema brasileiro. Falei com Mauro, fiquei sabendo que ele tinha dado a idéia de "Inocência" como presente de casamento ao Lima Barreto.
Eu estava saindo de um projeto extremamente autoral, "A Lira do Delírio". De repente, me vi diante de uma chama permanente de cinema brasileiro que se encaminhava até mim: Mauro, Lima Barreto...
E eu só tinha que pegar aquilo e fazer a minha parte. Só que no rastro disso ficaram leituras de outros roteiros do Lima Barreto. Um deles era "Ele, o Boto", que eu filmei depois de "Inocência".
Folha - Por que você dedicou "O Boto" ao Mário Peixoto?
Lima Jr. - Por que há uma injustificada divisão entre maurianos e peixotianos. Então, resolvi fazer uma ecumênica celebração dessas fontes.
Folha - Quem mais você homenageria?
Lima Jr. - O próprio Lima Barreto. "Inocência" já é uma homenagem. Mas eu homenagearia o Joaquim, o Glauber. Tenho pela minha geração —graças a Deus eu convivi com uma geração de pessoas preciosas— um carinho muito grande.

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