São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 1995
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O Nobel da Paz

HÉLIO SCHWARTSMAN

Imbuído do alegre espírito da "Saturnalia" desta Terça-Feira Gorda, vou me abster de criticar o governo. Ao contrário até, pretendo fazer uma sugestão que, acredito, é bastante pertinente no campo da reforma tributária.
Antes porém devo confessar minha total ignorância na matéria. Ignorância esta talvez apenas superada pelo meu desconhecimento na área da gramática comparada das línguas uralo-altaicas.
Se eu li bem os jornais, é ponto pacífico entre os nossos garbosos economistas, da situação e da oposição, que o Plano Real é apenas uma ponte. Ele quebrou a tal de inflação inercial —o que é muito legal pois permite que as pessoas comprem comida, eletrodomésticos, bugigangas importadas e carros populares—, mas, para que a maldita aceleração desenfreada dos preços não volte, será preciso que o Estado encontre o tal do equilíbrio fiscal.
A idéia é relativamente simples. Assim como você, leitor, não pode gastar mais do que você ganha por muito tempo, sob pena de ver o seu nome nas listas de proteção ao crédito, o Estado não pode gastar mais do que arrecada, sob pena de ver a tal da inflação atrapalhando a vida de todos.
Ainda segundo o que li nos jornais, a tal da reforma tributária, a simplificação dos impostos tanto do ponto de vista de quem paga como do de quem cobra com vistas a aumentar a arrecadação, era a peça que faltava para consolidar o Plano Real, de quem toda a população gosta.
Qual não foi a minha decepção ao ler, nos jornais, que o que o bom e velho FHC pretende como reforma tributária é juntar o IPI ao ICMS substituindo-os pelo IVA e ressarcindo os governadores das eventuais perdas que possam vir a ter, embora o bom mesmo fosse incluir também o ISS no bolo, o que é complicado porque os mais de 5.000 prefeitos do Brasil iriam chiar.
Mas eu compreendo. O bom e velho FHC sempre foi um sujeito tolerante, batuta mesmo, um cara que não gosta de brigar com ninguém.
Como me parece —isso eu não li nos jornais— que a proposta de reforma tributária não vai ser suficiente para garantir que o Estado arrecade mais do que gasta, sobretudo quando se considera que o governo também desistiu de outras impopulares medidas que diminuiriam os gastos da União, proponho substituir toda a reforma constitucional por uma única emenda.
Uma vez que não parece ser tão difícil acabar com a tal da inflação inercial —que é a que de fato nos incomoda—, objetivo que, segundo li nos jornais, foi logrado pelos planos Cruzado e Real, proponho que se inclua na Constituição a seguinte emenda: "Sempre que a inflação superar a marca dos X%, o Brasil procederá a uma reforma cambial".
Trata-se de uma medida fácil e simples que garantiria que passássemos a maior parte do ano sem inflações muito altas, o que todo o povo quer. Se mudar o nome da moeda e dizer que a inflação acabou funciona por um certo período, por que não fazer isso sempre que for necessário e evitar todas as brigas sempre chatas?
De resto, proponho desde já para que o Brasil se empenhe em fazer com que FHC seja indicado para o Prêmio Nobel... da Paz.

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