São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 1995
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Carnavalescas

LUIS CAVERSAN

RIO DE JANEIRO — A julgar pelas fotografias publicadas pela Folha de ontem, as peladas mudaram-se todas para São Paulo. As que ficaram por aqui, pelo Rio, se ficaram, estão muito bem escondidas, porque lá pelo Sambódromo não apareceram.
A nudez talvez seja o componente mais emblemático do Carnaval, no sentido da revelação, do mostrar-se como se é, expor-se, inclusive ao ridículo.
E nisso tudo o Carnaval carioca sempre foi farto, por isso é de se estranhar este ano a ausência das peladonas. Poucos seios à mostra, uma ou outra ousadia e só. Soa até engraçado, num tempo em que todos os indicadores demonstram que tudo por aqui anda no limite.

Só mesmo Caetano Veloso e seu "timming" genial para ter uma sacada tão apropriada em pleno Carnaval. Refiro-me às suas declarações sobre o estilo político de Antônio Carlos Magalhães, o último dos coronéis nordestinos. Em pleno clima de desfile do Olodum, ele foi ao ponto: "Eu acho que a gente deveria se livrar desse tipo de político (...) Eu odeio isso, esse curral onde as pessoas são manipuladas, têm dono".
Nada mais verdadeiro. Assim como, reconheça-se, é mais que verdadeira a resposta de Antônio Carlos Magalhães, vinda de Nova York, onde ele foi brincar de Primeiro Mundo: "Na terra dele (Caetano) eu sou extremamente admirado e venço todas as eleições".
Este o dilema: nada mais idiossincrático e também nada mais popular que ACM. Há quem considere o político baiano o símbolo máximo da má política no país do clientelismo, da perseguição, do passado e da não-modernidade.
Mesmo assim, ele é praticamente um Deus na Bahia, mais popular que o acarajé, mais cultuado que o Senhor do Bonfim. Dentro do que se poderia chamar de uma dialética baiana, nada mais simbólico do que esta polêmica ACM X Caetano estar ocorrendo no Carnaval.

O governador do Rio, Marcello Alencar, disse uma grande verdade: a gente por aqui tem mais medo da polícia do que do bandido. Por mérito de ambos, diga-se. Da polícia, que se degenerou tanto pelo abandono do Estado, pelos carros sucateados e pelas fardas esfarrapadas, que acabou partindo para a bandidagem. E o bandido, que passou a ocupar um lugar tão tranquilamente estabelecido no organograma social que se tornou respeitado e até admirado pela comunidade mais próxima.
Cabe ao Estado reverter essa aberração que surgiu de sua própria inoperância.

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