São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Lobbytomia

A determinação do secretário de Comunicação do governo federal, Roberto Muylaert, de vetar o uso das verbas de propaganda das empresas estatais na defesa de seus monopólios merece o mais entusiasmado aplauso. A ação das estatais em causa própria foi tolerada pelo presidente Itamar Franco, sem posição fechada na questão.
Se o governo quer a flexibilização dos monopólios, seria no mínimo esdrúxulo que tolerasse as empresas sob seu controle atuando contra o propósito oficial. Atuação, aliás, nada desprezível: as empresas estatais, autarquias e demais órgãos do governo federal detêm R$ 340 milhões para publicidade em 1995.
A decisão da secretaria de Comunicação é corajosa frente à história de tentativas frustradas de controle dos orçamentos das estatais. Mas é insuficiente. Falta evidenciar e implementar uma ação positiva.
Nessa esfera da comunicação, o Executivo vem titubeando. O governo chegou a cogitar esquemas indiretos, usando sobras financeiras da campanha ou a colaboração gratuita de agências de publicidade.
Tanta hesitação, entretanto, é paradoxal. Pois se afinal as estatais estão sujeitas ao governo, se presidentes e diretores são nomeados pelo Planalto, se existe a possibilidade de vetar uma específica utilização das verbas publicitárias pelas estatais, parece estranho que o Executivo não possa determinar uma ação mais positiva, usando esses recursos para fazer a propaganda da reforma. Afinal, a tese —correta— sob a qual o governo se elegeu é que privatizar é no geral a melhor saída para as estatais. Ademais, obter apoio popular é crucial para viabilizar as mudanças na Carta.
Escapa à lógica que um governo possa coibir certa propaganda, mas se sinta ao mesmo tempo tímido para dar o outro passo, afirmativo. A não ser que essa timidez seja um ato falho, revelador em última análise de acanhamentos políticos e ideológicos maiores.
Se não é o caso, então que se receite não só um analgésico passageiro contra a estatolatria, mas sim uma autêntica e imediata "lobbytomia", cortando pela raiz e dando um antídoto definitivo para o uso corporativista de recursos públicos.

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