São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Risco sistêmico

A quebra do banco Barings, o mais antigo do Reino Unido, pode não ter relação alguma com a crise mexicana. Entretanto, os dois episódios têm em comum a surpresa e a total incerteza quanto a seus desdobramentos locais e globais. O mundo das finanças parece às vezes ameaçado por fenômenos cuja lógica nada tem de linear.
Ainda que as próprias circunstâncias da derrocada do banco inglês estejam obscuras, já se sabe que envolveram operações com os denominados "derivativos", instrumentos flexíveis e imunes à regulamentação. No ano passado quebrou nada menos que o condado de Orange, um dos mais ricos da Califórnia, como resultado do envolvimento do Tesouro local em operações com derivativos.
Outro ponto relevante desses episódios é o fato de ocorrerem nos centros econômicos e financeiros mundiais (Califórnia, num caso, Cingapura e Japão, no caso do Barings). Ou seja, ao contrário do que normalmente se crê e divulga, as dificuldades financeiras recentes têm uma dimensão autenticamente global e não decorrem de excentricidades da "periferia" (como por exemplo a insuficiência de ajuste em economias latino-americanas).
Em suma, se muitos louvaram os aspectos positivos da globalização, é também necessário refletir sobre os seus problemas. Entre estes, destaca-se a maior volatilidade dos circuitos financeiros e a incapacidade dos bancos centrais e outras instituições seja de regular, seja de evitar a multiplicação das crises locais.
Certamente haverá um recrudescimento, no futuro próximo, do debate sobre novas formas de regulamentação dos mercados financeiros e sobre os limites da globalização.
Porém, há um fator global que antecede e sobrepuja as tecnicalidades microfinanceiras. Trata-se da crise crônica do dólar como âncora de um sistema monetário mundial em transição para um novo modelo ainda indefinido. As dificuldades dos últimos meses, de natureza global, são em parte um tipo de efeito colateral da alta ininterrupta dos juros nos EUA, explicada pela política local de combate à inflação.
A combinação de instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados de defesa contra os riscos cambiais, como os derivativos, não evita —e talvez até agrave— o risco sistêmico. O que torna ainda mais necessária a incipiente discussão sobre o redesenho das instituições financeiras internacionais e do próprio sistema monetário mundial.

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