São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O perverso rendimento da poupança

SÉRGIO MAUÁD

"Dai a César o que é de César"

O governo federal, através do Banco Central, acaba de ofertar aos depositantes em caderneta de poupança um melhor rendimento a partir de 1º de março. E a imprensa anunciou que a Abecip, associação que defende os interesses dos bancos no que se refere a cadernetas de poupança, quer que os benefícios sejam antecipados.
A iniciativa tem seu aspecto positivo ao se embasar no fato de que a poupança tem que competir com CDBs e outras aplicações financeiras, preservando os recursos destinados à produção imobiliária. O que não foi dito é que tal iniciativa, ao encher as burras dos bancos, traz um ônus excessivo aos compradores de imóveis financiados no SFH —Sistema Financeiro da Habitação— e às construtoras, que devem no mesmo sistema, e são os tomadores de tal dinheiro.
É a mágica da famigerada TR —Taxa Referencial de juros, aplicada aos depósitos em poupança e a empréstimos financeiros, manobrada pelo Banco Central como um instrumento da política econômica do governo federal.
Antes de tudo, é de se questionar se realmente falta atrativo aos depositantes de caderneta de poupança; na verdade, este sistema tem dado enorme rentabilidade ao poupador. Só em dezembro último, pagou 3,39% líquidos, contra uma inflação de 0,84%.
É de se questionar se o governo tomou a medida de engrossar tais rendimentos não para evitar a migração dos recursos para aplicações financeiras alternativas, mas sim por receio de que se escoem para o consumo.
Lembre-se, também, que a atual política de juros altos é questionável. Se um dos objetivos foi, no passado, o de atrair capitais externos, a crise do México demonstra que tal direcionamento é falho; na verdade, atrai capitais voláteis. Juros altos estão acentuando o custo Brasil, geram inflação e, se o governo de fato busca o equilíbrio de suas contas, não tem mais motivos para mantê-los nestes patamares.
O Secovi-SP, insistentemente, tem solicitado às autoridades competentes uma correção daquela distorção que desequilibra economicamente o mercado imobiliário. Os saldos devedores dos mutuários sobem além de seus rendimentos; e mais, os preços dos imóveis financiados estão sendo inflacionados dia-a-dia, na contramão dos objetivos do Plano Real, encarecendo a casa própria.
É exatamente aí que o plano não fecha, e fica claro quem está pagando este plano. Que interesses tão fortes impedem um reconhecimento da anomalia pelo governo? Por que não perseguir uma solução definitiva do problema? Este adiamento acarretará, inevitavelmente, desequilíbrio no SFH, tal como foi no caso do FCVS, o malfadado Fundo de Compensação de Variações Salariais.
As construtoras e incorporadoras têm se esforçado por atender à demanda, racionalizando seus processos construtivos, seus projetos específicos e arquitetônicos, tendo baixado em cerca de 20% seus custos nos últimos três anos. Procuraram baixar os preços dos imóveis, adequando-os ao poder aquisitivo da população. A política monetária governamental, no entanto, neutraliza tais esforços, com medidas inexplicavelmente inflacionárias; prejudica as empresas, tirando seu poder empregatício, e encarece o produto final.
Se o propósito é estimular o poupador em cadernetas, que se pense em estímulo fiscal pelo Imposto de Renda, à semelhança do que já se fez no passado. Para o poupador, tomando como referência o saldo médio de suas aplicações. Para o tomador de recursos advindos do sistema, como construtoras, incorporadoras e mutuários finais, em função dos encargos financeiros pagos.
O que o mercado imobiliário espera das autoridades monetárias é uma urgente correção de rumos nesta questão, no sentido de preservar os bons objetivos do Plano Real. Que se deixe de prejudicar os mutuários do SFH, colaborando para a manutenção do desenvolvimento da produção imobiliária que gera tanto emprego, o que é altamente desejável no momento. Dinheiro de poupança, regra geral, financia a casa própria, e esta é fonte de estabilidade social.

Texto Anterior: Inadimplência é recorde em SP
Próximo Texto: Nova concorrência; Meta ambiciosa; Apoio legal; Hora de rever; Questão de fôlego; Horas extras; De cavalheiros; Primeira leva; Gerência integrada; Dose dupla
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.