São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
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Estabilização social

Em São Caetano (SP), 23,67 de cada 1.000 crianças nascidas vivas morrem antes de completar um ano. Já entre aquelas que o acaso fez nascer em Teotônio Vilela (AL), nada menos do que 221 não chegam ao seu primeiro aniversário. É uma taxa maior que a de Moçambique e duas vezes pior que a verificada em Bangladesh.
Revelado pela Folha, esse contraste chocante fez com que o município alagoano recebesse atenção especial do governo federal como cidade piloto para seu ainda pouco claro programa de Comunidade Solidária. Mas uma nova reportagem publicada por este jornal veio mostrar que a calamitosa situação de Teotônio Vilela não só não é única como é ainda melhor que a de muitos outros municípios brasileiros.
Apesar da absoluta falta de estatísticas sobre mortalidade infantil em várias localidades —verdadeiros buracos negros que os registros oficiais do Brasil sempre preferiram ignorar—, um relatório feito pelo IBGE e pelo Unicef no ano passado revela que há nada menos do que 1.399 cidades brasileiras que submetem suas crianças a condições piores do que Teotônio Vilela.
Em Nossa Senhora dos Remédios (PI), por exemplo, a primeira desse ranking vergonhoso, 94,9% das crianças moram em casas com abastecimento inadequado de água, 94,8% vivem em lares cujo chefe tem renda de até um salário mínimo e 71,4%, em lares cujo chefe tem menos de um ano de estudo (contra, respectivamente, 69,5%, 43,5% e 63,7% em Teotônio Vilela).
Em meio a esse panorama desolador, contudo, a Pastoral da Criança, ligada à Igreja Católica, detecta um sinal positivo. Nos últimos seis meses, nas quase 20 mil comunidades monitoradas pela entidade, a mortalidade infantil, que havia subido no inflacionário primeiro semestre de 1994, voltou a cair. A própria Pastoral credita esse resultado ao Plano Real.
O cenário desenhado acima suscita duas considerações. A existência de Teotônios Vilelas e Nossas Senhoras dos Remédios revela que as décadas de crescimento acelerado e mesmo a inflação reduzida por certos períodos da história do país não bastam para dar condições mínimas de vida a uma parcela significativa da população.
Mas se o controle da inflação e a expansão econômica não geram automaticamente avanços sociais, sem eles esses avanços são impossíveis. Por isso, é imperioso que o Brasil comece a ver a estabilização como uma condição essencial não apenas no plano econômico, mas, principalmente, no campo social.

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