São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
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Tudo azul, mas o céu não é de brigadeiro

SIMONE GALIB
DA REPORTAGEM LOCAL

A cada ano cerca de 700 candidatos a comissários de bordo batem à porta de uma escola de aviação de São Paulo em busca de uma carteira que os habilite a ingressar no mundo mágico da aviação.
Desse time, apenas 150 se formam e demonstram estar aptos para uma profissão que, há quase sete décadas, ainda desperta fascínio, cria mitos, alimenta fantasias e se vincula ao glamour.
O que esses 550 candidatos que acabam preteridos do curso às vezes desconhecem é que ser tripulante de um avião não é o trampolim para se correr o mundo em total liberdade.
É preciso mais do que a simples paixão pelas viagens. É necessário, acima de tudo, "ter espírito de aventura, vaidade pessoal, presença de espírito e pulso forte", dizem os tripulantes.

Cabeça nas nuvens
Se a cabeça está nas nuvens, logo se vai perceber que o cotidiano a bordo —ou fora dele— é muito pé no chão.
"Para que eu possa estar em Paris ou em Roma duas ou três vezes por mês, tenho que deixar muitas coisas importantes para trás, como filhos, marido, datas especiais", conta Rejane Malheiro, 38 anos, assessora do Centro de Treinamento de Comissários de Bordo da Varig.
"Muitos que nos procuram estão em busca do glamour. Acham que vão conhecer o mundo. De fato, vão, mas só nas férias", afirma Celeste Santini, 34, gerente da EWM - Aviation Ground School, a primeira escola a formar comissários em São Paulo há 11 anos.
A fantasia dura pouco e o cotidiano é difícil, não escondem os tripulantes. As horas de sono são irregulares, a saúde sente os efeitos da pressurização, surge o estresse. A vida pessoal acaba em segundo plano e, assim, descobrem a solidão.
Os romances, os amigos, a família e o lazer são intercalados com as escalas, às vezes longas, difíceis e cansativas demais.
"'No primeiro ano, tudo bem, tudo é novidade. Passei o aniversário de um ano de minha filha longe...sem problemas. Natal, Carnaval, Páscoa, não incomoda a distância. Mas no decorrer dos anos isso começa a doer. É muito difícil sair para jantar num lugar estranho e não ter alguém para dividir um drinque", diz o comissário Evandro, 33, da Varig.
Por isso, acrescenta, é comum que os grupos de tripulantes aproximem-se muito uns dos outros. "Você voa com a pessoa e logo se entrosa, fica amigo íntimo de alguém em meia hora. A dinâmica, sempre, é criar novos amigos."

Segurança máxima
Logo de início os comissários também aprendem que não são meros entregadores de bandeja.
Nem estão na passarela do avião apenas para sorrir o tempo inteiro, servir o jantar ou entregar os jornais, um serviço criado pelas companhias aéreas apenas para tornar o vôo mais agradável.
Glamour à parte, eles representam a segurança do próprio passageiro e da aeronave.
É o tripulante quem entra em ação, quem conhece todos os mecanismos do equipamento. É também ele que em uma situação de emergência terá que controlar o pânico e em até 90 segundos tirar todos os passageiros do avião.
Dessa forma, antes de subir às nuvens é exaustivamente treinado para sobreviver na mata, conseguindo a sua própria comida, escala montanhas, simula salvamentos no mar, apaga incêndios e esta apto até para fazer eventuais partos a bordo (veja reportagem sobre os cursos na pág. 6-16).

Céu de brigadeiro
Apesar da instabilidade de horários, de um esquema diferente para os relacionamentos afetivos, os comissários não se sentem escravos do trabalho. Se, por um lado, a carreira exige muitos sacrifícios e disciplina, por outro oferece vantagens e um céu que até pode ser de brigadeiro.
Surgem, por exemplo, a cada vôo oportunidades de se conhecer novos lugares e pessoas interessantes. As companhias costumam pagar refeições e hospedagem nos melhores hotéis e o lazer, durante as viagens, também é possível. Os vôos com escalas mais longas proporcionam boas horas de pernoite e até muita diversão.

LEIA MAIS
Sobre comissários de bordo nas págs. 6-15 e 6-16.

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